Pode comentar, mas se preferir também pode enviar um e-mail para fbotto@yahoo.com(sem br!)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A psicologia do mal na telefonia celular

Conhecer, predizer e controlar o comportamento humano são perspectivas das ciências do comportamento que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas, desde que tais sabedorias não caiam em mãos erradas.

Quem tem sido vítima de uma violência noturna das companhias de telefonia móvel sabe o que isso significa. Imagine-se numa noite tranquila, em que reina uma paz infinita, com sonhos agradáveis que poderiam ser eternizados, quando de repente, uma campainha histérica soa e te suga subitamente para a realidade. São quatro horas da manhã e não se trata de nenhuma desgraça familiar: é apenas a sua gentil operadora informando que o saldo do seu telemóvel está quase no fim.

A análise do comportamento nos revela que frequentemente agimos de modo a evitar aquilo que nos é aversivo, portanto, desenvolvemos no nosso repertório pessoal as noções de fuga e de esquiva. As operadoras descobriram que enviar torpedos de madrugada para você efetuar uma recarga é um estímulo terrivelmente cruel ou, na linguagem dos especialistas, intensamente aversivo. E ainda, quanto maior a insistência, maior a probabilidade do cliente “aprender” a agir como deve: passar a efetuar recargas preventivas para evitar os inconvenientes SMS da madrugada.

Mas não podemos reclamar, pois temos um sistema legal formidável que nos protege de abusos ainda maiores! Para a nossa sorte, os competentes legisladores brasileiros por enquanto não regulamentaram a venda de aparelhos celulares que emitem choques elétricos quando os créditos estão baixos e que ficam permanentemente eletrificados quando o saldo termina até que façamos a próxima recarga. Embora tenhamos uma classe política atuante, é desejável que as autoridades defensoras do bom sono dos consumidores se atentem, porque a tecnologia que “descobre” quando você começa a cochilar já existe numa certa marca de veículos. Já pensou se ela resolve fazer uma associação tipo joint venture com as empresas de telefonia móvel para que estas enviem seus SMS aos seus clientes que estão com o saldo baixo no momento exato do pimeiro cochilo?

Às vezes me pergunto se sou apenas eu que acho um abuso das operadoras lançarem mão destes recursos malignos para atingir seus propósitos. Em seguida, concluo que sou possivelmente o único portador de um telefone celular que deixo o saldo chegar no finalzinho para, então, efetuar a recarga e isso deve irritar profundamente o pessoal da minha operadora. Portanto, agora percebo o quão aversivo sou eu, que não participo das promoções imperdíveis que recebo por SMS e que ainda tenho a petulância de recarregar os créditos apenas quando eu quiser. Quando se analisa a situação deste prisma, vejo que a operadora de telefonia quer o meu bem e eu desejo que quem teve essa ideia brilhante dos SMS da madrugada durma profundamente, porque já é tarde e eu esqueci que ainda tenho que escovar os dentes e recarregar o meu celular.

*Fernando Botto é escritor, autor dos livros Alho, cebola e beijo na boca e Fungos da Mongólia. Tem celular pré-pago e sofre de insônia, momentos que aproveita para escrever artigos e ler SMS.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pessoas com deficiência: os rumos brasileiros

Imagine que você tenha sido designado para escrever um discurso de boas-vindas a um grupo de visitantes com deficiências visual, auditiva e mental e precise empregar uma expressão genérica para retratar esta condição, por qual delas optaria? Pessoas deficientes, pessoas portadoras de deficiência ou pessoas com deficiência?

A dificuldade de escolha é comum e compreensível. Jornalistas muito experientes também experimentam a mesma dúvida que cada um de nós passamos quando temos que optar pela expressão que julgamos mais adequada.

Quem optou por empregar o termo "pessoas com deficiência" acertou. Esta expressão é adequada, educada e assertiva e devemos aprender a utilizá-la com naturalidade para colocarmos em prática o exercício da cidadania no que se refere à inclusão social. Infeliz a expressão "pessoas deficientes", porque não faz sentido tomar o todo pela parte. Uma deficiência auditiva não torna a pessoa inteiramente deficiente, como o termo mal empregado supõe. Da mesma forma, usar a expressão "pessoa portadora de deficiência" é uma analogia igualmente infeliz à portabilidade da telefonia. Se uma pessoa com deficiência efetivamente portasse a sua deficiência, bastava deixá-la num canto qualquer e pronto.

Portano, sem preocupação de sermos inadequados ou desrespeitosos, utilizemos a expressão "pessoas com deficiência", porque precisamos promover a inclusão de todas as pessoas e reconhecer o valor humano que existe em cada um de nós.

Todos ser humano é limitado e alguns possuem limitações maiores que podem caracterizar desde uma pequena dificuldade até uma completa incapacidades para algumas atividades, mas isso não pode ser interpretado como uma deficiência da pessoa, mas uma pessoa que possui algum tipo de deficiência.

Está se estabelecendo no mundo uma nova ótica das deficiências, não mais definidas apenas por seus aspectos biológicos, mas biopsicossociais e em termos de funcionalidade, como preconiza a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde).

Nos próximos anos, o Brasil viverá muitas transformações no que se refere à inclusão de pessoas com deficiência na educação regular. Em decorrência da Declaração de Salamanca de 1994, tivemos o decreto 7.611/2011, que estabelece um novo paradigma na educação inclusiva. Embora as novas políticas públicas representem um avanço no que tange ao alinhamento com as políticas internacionais do setor, na prática, a mudança representa um duro golpe no funcionamento de instituições educacionais voltadas a essas minorias.

Infelizmente, o decreto 7.611/11, que faz parte do plano "Viver sem limites",
decretou uma sentença de morte às instituições de ensino especializadas voltadas a alunos com deficiências, que terão corte de recursos públicos. Mais uma vez, importamos um modelo europeu, planejado minuciosamente para uma realidade européia e o implantamos sem reflexão alguma na realidade brasileira.

O Brasil possui um ensino público feito muito mais do amor dos professores pela educação do que pelo vergonhoso incentivo salarial e dos parcos benefícios que o governo a eles destina. Oxalá um dia teremos uma indexação salarial da classe política à dos professores da rede pública de ensino.
A sorte está lançada.

Fernando Botto é escritor, mestre em educação e especialista em saúde mental, psicopatologia e psicanálise.

sábado, 16 de julho de 2011

Passageiros do Espelho



Fui aluno da professora e escritora Isabel Furini pela primeira vez há cerca de dez anos, na época, para fazer o curso “Práticas de oratória”.
Anos mais tarde, quando ela publicou O Livro do Escritor, imediatamente a contactei porque como estava em Angola e sempre dediquei uma especial atenção ao fomento da cultura e do desenvolvimento social do país, gostaria de levar alguns exemplares para lá. Marquei um encontro para apanhar alguns livros autografados, obviamente. Dentre os lugares onde se encontra o Livro do Escritor, está A União dos Escritores Angolanos, em Luanda.
Mantivemos contacto e surgiu o convite para integrar uma obra composta de contos escritos por autores que tinham algum vínculo como o estado do Paraná. Escrevi dois contos para a antologia, Girinos no copinho e Rachaduras, o que marca uma nova face das publicações literárias que fiz, num gênero dramático.
Por razões profissionais, não poderei estar presente no dia do lançamento do livro, o que lamento, mas não posso deixar de divulgá-lo.
Nas palavras da organizadora da obra Passageiros do Espelho, Isabel Furini, algumas notas sobre o livro:
“A coletânea de contos tem a característica de respeitar o estilo de cada autor. Podemos então nos deleitar com os retratos muito bem elaborados por Bruno Camargo Manenti. Outros de alta dramaticidade, entre eles os trabalhos de Alessandra Pajola, Alessandra Magalhães, Fernando Scaff Moura, Sônia Cardoso e Zeltia G. Não falta uma visão do mundo espiritual feita pela professora Natália Bueno. Já o escritor Fernando Botto lembrou a infância e Maria Edna fala da idade madura. Elayne Sampaio e Ricardo Manzo nos levam por caminhos inesperados. Fernando Scaff Moura nos empurra para uma época de horrores que ainda está viva na memória da América Latina.
‘Na apresentação de “Passageiros do espelho”, José Feldman, da Academia de Letras do Paraná, fala: “Morremos e renascemos a cada conto. A cada espelho. Nos vemos confiantes, solitários, agoniados, suicidas, aliviados, tristes e alegres. Somos vários espelhos, mas ao final, apenas um”.
‘A escritora e poeta Adélia Maria Woellner escreveu no prefácio: “Os ‘passageiros do espelho’ rompem silêncios, oferecendo suas histórias, seus devaneios, seus encantos, os arcanos da imaginação”.
‘Fortalece esse trabalho a colaboração especial do escritor, professor e crítico literário Miguel Sanches Neto, que nos convida a fazer uma “Viagem de Volta”.
‘Nas orelhas do livro a atriz, radialista e escritora gaúcha Ângela Reale destaca que no livro penetramos ‘em mundos tão diversos, em encontros inusitados, sonhos desfeitos, amores de longe e de perto, saudades, morte e vida’.”
O lançamento do livro de contos “Passageiros do Espelho” será em 26 de julho, a partir das 19 horas, no Palacete dos Leões, na Rua João Gualberto, 530, em Curitiba. A entrada é franca. Os interessados podem solicitar o convite pelo e-mail: isabelfurini@hotmail.com.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Desonestidade que virou normalidade

No marketing há uma tênue linha que separa a esperteza da desonestidade. E esta, revestida de uma atraente embalagem, passa a ser vista como uma interessante esperteza e, depois de pouco tempo, vira algo comum e normal.

As barras de chocolate são um bom exemplo disso. De 200 gramas, que eram o padrão de uma barra, passaram a 190 gramas, pelo mesmo preço. Pouquíssimos consumidores perceberam a redução, porque a embalagem permaneceu exatamente igual, à exceção do peso líquido, que reduziu 5%. A desonestidade virou regra e as barras de chocolate passaram a 180, 170, 160, 150, 140 e nesta semana encontrei uma impressionante barra de chocolate de ridículas 130 gramas! Desonestidade que virou normalidade.

Quem é que confere a metragem dos rolos de papel higiênico? Pois quem não costuma verificar isso é hora de conhecer esse outro tipo de desonestidade que virou normalidade. Algumas fábricas reduziram de 60 para 50, depois 40 e agora, encontra-se rolos de 30 metros. Daí vem o golpe complementar: pacotes de pague dez, leve onze rolos. Desonestidade que virou normalidade.

Uma grande rede de fast food internacional lançou no Brasil uma campanha neste mês de maio, com preços promocionais idênticos de vários produtos diferentes. Colocou o nome de um deles, SUNDAE, em destaque. Junto do nome, a foto do produto, igualmente em destaque. Embaixo, quase impossível de se ler, bem espremidinho, está escrito "caramelo". Ou seja, se você pedir um sundae de chocolate, paga mais caro. O mais barato é apenas o de caramelo. Desonestidade que virou normalidade.

Comprar um carro do ano é uma outra coisa pra lá de estranha. Como é possível comprar um carro 2012 em 2011? Ah, é só o modelo... Absurdo! E a desonestidade está ainda mais ousada. Há fábricas que entenderam direitinho o golpe e lançaram, em 2011 o modelo 2013. Desonestidade que virou normalidade.

Em meio a uma avalanche de criatividade desonesta, os órgãos de defesa do consumidor encontram um enorme desafio de coibir um defeito moral que reflete a ausência de uma política pública educacional voltada para a formação de profissionais comprometidos com a ética e com a construção da cidadania. Enquanto houver educadores que confundem criatividade com desonestidade e consumidores que não fazem escolhas pelos fornecedores éticos e que se preocupam com a sustentabilidade e com um mundo melhor, estaremos condenados a viver num país em que a desonestidade é prima-irmã da normalidade.

Fernando Botto é escritor.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Restaurant Week ou Bandejón Week?

Nesses primeiros dias de Restaurant Week em Curitiba tomei uma atitude diferente e resolvi dar um golpe na fidelidade, gastronomicamente falando, claro. Assim como muitos apreciadores da arte na culinária - que começam a degustar um prato com os olhos e narizes, eu também considero como complemento a uma refeição saborosa a estética do prato, a harmonização do ambiente e o atendimento compatível a isso tudo.

O Restaurant week materializa uma ideia genial ao oportunizar aos clientes pratos bem elaborados, com entrada e sobremesa a um preço fixo atraente em variadas opções de estabelecimentos. Sem dúvida, isso provoca o desejo de conhecer novos restaurantes e aliás, diga-se com orgulho, a Curitiba gastronômica está melhor a cada ano.

Ocorre que nem todos os restaurantes estão percebendo esta iniciativa como uma valiosa oportunidade de cativar novos clientes. Há casos curiosos, de participantes que entenderam muito mal os objetivos desta iniciativa e pecam profundamente tanto no atendimento quanto no capricho tradicional da montagem dos pratos sofisticados.

Alguns estabelecimentos parecem ter dado a seus funcionários um treinamento de “semana do bandejão”, em que haverá uma invasão de clientes carentes que deverão ser atendidos por eles como um gesto de solidariedade para com a classe média, que raramente frequenta tais ambientes. Outros, armam verdadeiras ratoeiras. Num deles, supostamente para colorir um pouco mais o cardápio, colocou, de maneira sub-reptícia, um pratinho de couvert que acresceu na conta quase o mesmo valor da refeição. Mas o campeão foi aquele que teve a audácia de servir uma água mineral, supostamente trazida de uma gruta sagrada muito distante, por um preço tão exótico quanto a origem, digna de sair do cardápio de bebidas e de ser promovida para a carta de vinhos.

Tais situações, embora reais, não tiram todo o brilho de iniciativas dessa natureza. O Restaurant Week está me proporcionando conhecer melhor restaurantes que sempre tive curiosidade de experimentar e que voltarei com certeza e outros, que apesar de terem águas minerais muito boas, não fazem o meu estilo.

Fernando Botto é escritor curitibano.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Você ainda acredita nos testes de QI?

Há poucas décadas, os testes de QI eram amplamente aplicados e os resultados criavam distinções métricas entre pessoas mais e menos inteligentes.

O tempo passou e muitas pessoas atestadas como inteligentíssimas pelos testes de QI ao longo da vida não conseguiram transformar a sua inteligência em nada significativo, nem para elas mesmas, nem para os vigilantes e cruéis olhos da sociedade.

Ao contrário do que se esperava, pessoas que faziam seiscentos risquinhos perfeitos por minuto e resolviam desafios matemáticos complexos mascando chicletes e ouvindo música foram, com o tempo, superados por pessoas que não ficaram nos vinte e cinco risquinhos e que jamais resolveram sequer um desafio matemático infantil.

É, aquele sujeito desengonçado e de baixo QI, tido como ignorante na classe, lento e meio abobado, anos mais tarde se torna um habilidoso e rico comerciante, feliz e que ri à toa. Enquanto isso, o "número um" daquela turma, que supostamente estaria em situação muito melhor, sofre para pagar as prestações do carro, possui um casamento infeliz e está desgostoso com o trabalho que faz. Quem é o mais inteligente?

Algo de errado havia naquela medição de QI, certo? Não há dúvidas que aqueles testes subestimavam a complexidade da inteligência. É claro que o potencial medido naqueles testes teve a sua importância e finalidade, mas felizmente o enfoque sobre a inteligência mudou. O amor incondicional à lógica matemática e a marcante influência de Descartes davam uma consistente base para que pessoas dotadas dessa inteligência fossem vistas como inteligentes e veneradas.

Para a sorte do restante da humanidade que não foi o número um da sua classe, Howard Gardner criou a teoria das inteligências múltiplas, o que nos ajudou a compreender que podemos ser burros em matemática, mas sermos inteligentes em outra coisa, como por exemplo, com o corpo. Em outras palavras, o mau aluno em matemática pode se tornar um excepcional jogador de futebol, músico, jornalista, publicitário ou inventor.

As dimensões da inteligência propostas por Gardner nos ajudam não apenas a encontrar que tipo de inteligências com as quais me identifico mais, mas também me proporcionaram compreender que posso ser bom em alguma coisa e iniciar uma jornada em busca dessa descoberta.

A questão suscita o debate de um milenar questionamento existencial: "Afinal, o que é a inteligência?". De uma maneira simples, mas não simplista, percebo a inteligência como uma capacidade de aprender a ser feliz dentro das próprias limitações. A aprendizagem para tanto requer experimentação, tentativa e erro, disciplina, prazer, dor e sofrimento, angústia, ganhos, perdas e tudo aquilo que nos define como humanos.

Seria possível nos tornarmos inteligentes, então? Penso que não. Por uma simples razão: não nos tornamos inteligentes porque somos inteligentes. Temos dentro de nós uma inteligência para cada situação da vida e, ao longo do percurso, algumas são reprimidas e não se desenvolvem. Outras, são estimuladas e crescem. Por isso que um ambiente acolhedor, que permita este desenvolvimento, bem como a compreensão das nossas limitações contribui para que aprendamos a ser pessoas mais inteligentes ou, como costumo dizer, mais felizes.

*Fernando Botto é escritor.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Tempo livre para afiar o machado

Onde encontrar tempo para afiar o machado? Afiando o seu machado. Quando um lenhador afia o seu machado, executa melhor o seu ofício, o que significa mais qualidade, melhor precisão e tudo isso em menos tempo, porque a prática bem feita leva a resultados que ousamos chamar de perfeição.

Metodologia é fundamental por isso. Porque apenas uma prática bem feita pode levar a resultados dignos de se aproximar da perfeição. E é por isso que a mera experiência sem consciência pode representar, em alguns casos, em uma prática imperfeita, improdutiva e dispendiosa - fruto dessa experiência.

Certa vez, presenciei uma cena inusitada: o sujeito se recusava a aprender uma nova maneira de fazer algo no trabalho. E a justificativa dele era "eu faço isso dessa maneira há vinte anos e não é você, com vinte dias de empresa, que vai me ensinar a fazer o meu serviço." O colega, que adorava um conflito, devolveu na mesma moeda: "Respeito a sua experiência, afinal, o senhor está há vinte anos fazendo a coisa do jeito errado e eu sou apenas um iniciante fazendo do jeito certo."

O uso cego de qualquer metodologia pode inibir a criatividade e a inovação. É provável que poucas metodologias - quiçá nenhuma - possam ser consideradas como perfeitas e acabadas. Por isso, aprender a afiar o machado é um desafio para quem é cheio de vontade a ponto de deixar a ansiedade tomar as rédeas do comportamento e age sem pensar. Obtém produtividade e resultados com base na intensa energia empregada a obtê-los. Atinge metas extraordinárias, mas se permitisse que a sabedoria do lenhador lhe ensinasse, talvez obtivesse os mesmos resultados com menos esforço e lhe sobraria assim, algum tempo para refletir se o método não pode ser aperfeiçoado.

Fazer o que eu já sei fazer é fácil. Difícil é ampliar esse limite. Tenho que estar disposto a lidar com as minhas limitações, a me lançar a experiências novas, o que muitas vezes me aterroriza. Posso me frustrar, me magoar e pior do que isso, posso chegar ao ponto de me castigar por ter errado ou por não ter sido mais uma vez perfeito. E esse é o custo de ousar transpor os nossos limites.

Mas apenas transpondo esses limites com a condição de aceitar os próprios erros e de perdoar a si mesmo por não ser perfeito podemos evoluir. Assim, estaremos prontos para derrubar uma floresta, afiar o machado para o dia seguinte e, quando sobra tempo, podemos escrever esta experiência para compartilhar com quem se interessa por isso. É preciso tempo para assimilar as nossas experiências.

O texto termina aqui, mas escrevi uma frase para sintetizar isso tudo. Coloquei no Twitter e fui ajustando para o limite dos 140 caracteres. O desafio, na prática, era enxugar a frase para que ela se adequasse à limitação do site sem perder o seu sentido original. A inspiração do tema partiu de uma frase de Abraham Lincoln, que dizia que se tivesse oito horas para derrubar uma árvore, passaria quatro afiando o seu machado.

As fases da lapidação:

Um lenhador afia o seu machado para cumprir a sua tarefa com menos esforço. Assim, faz o que precisa ser feito em menos tempo e aproveita o restante para afiar o machado para o dia seguinte. (-52 caracteres - frase criada livremente)

1) Um lenhador afia o seu machado e cumpre a sua tarefa com menos esforço. Faz o que precisa ser feito em menos tempo e aproveita o restante para afiar o machado para o dia seguinte. (-40 caracteres - a frase começou a ser enxugada)

2) Um lenhador afia o seu machado e cumpre a sua tarefa com menos esforço. Conclui seu trabalho em menos tempo e, com a sobra, afia o machado para o dia seguinte (-18 caracteres - nessa hora parece que não é mais possível reduzir o texto sem perder informações)

3) Um lenhador que afia o seu machado cumpre a sua tarefa mais cedo, com menos esforço e melhor resultado. E no tempo livre, afia o seu machado. (-1 caractere - só falta um!)

4) Um lenhador que afia o seu machado cumpre a sua tarefa mais cedo, com menos esforço e melhor resultado. E no tempo livre, afia o seu machado (140 caracteres. Missão cumprida e ponto final).

O resultado final:

Um lenhador que afia o seu machado cumpre a sua tarefa mais cedo, com menos esforço e melhor resultado. E no tempo livre, afia o seu machado
@fernandobotto - tiwitter

quarta-feira, 23 de março de 2011

Coisa burra, mas interessante

Uma vez fiz um questionamento muito profundo a um professor de filosofia durante uma aula. Mas não se tratava de um questionamento qualquer. Era na verdade um dúvida da minha alma, fruto de uma profunda reflexão que fiz a respeito de tudo aquilo que havia aprendido nos últimos anos de estudo associado a questões existenciais que finalmente culminava naquele momento sagrado de enfrentar aquele indescritível monstro através das palavras do sábio que provocou a minha entusiasmada participação. Levantei o dedo, triunfante, e fiz uso da palavra com inabalável confiança e certo de que meu questionamento traria para a aula uma preciosa contribuição para o engrandecimento da ciência, além de me ajudar a por fim naquele terrível enigma da alma.

O mestre ouviu com atenção tudo o que eu disse, pensou um pouco, olhou para o infinito como quem busca uma espécie de inspiração divina para responder à minha questão e disparou:

- Fernando, você falou uma coisa burra, realmente burra, talvez a coisa mais burra que eu já ouvi até hoje. É burra, mas é interessante.

Eu às vezes penso coisas burras. Complicado é que eu resolvo publicar algumas delas. Duro é saber separar o que é uma coisa burra por si só ou quando é burra, mas é interessante.
Hoje escrevi uma coisa burra, mas interessante no twitter e quero ilustrar esse texto burro, para tentar torná-lo burro, mas interessante:

“Se a tua mulher pensa que é um jardineiro e te trata como um jardim, escolha entre viver sendo podado ou liberte-se e vire um terreno baldio.”
@fernandobotto (pelo twitter)

Essa reflexão matou a minha dúvida naquela aula e nessa vida. Descobri que tem saída para gente burra. As pessoas não precisam ser burras e pronto. O insight é aprender a ser burro, mas interessante.

Quem tem medo do manual?

Acreditar que todos os motoristas que compram um carro novo lêem imediatamente as novecentas e cinquenta e sete páginas do manual é uma característica preconcebida da indústria automotiva.
A sacada genial de criar aparelhos e instrumentos de usabilidade e funcionalidade cada vez mais intuitiva - pensando num usuário totó, iniciante e inexperiente - é algo que se percebe nitidamente quando se vivencia uma experiência de compra de um produto da Apple. O tablet Ipad, por exemplo, tem um folheto, ao invés de um complicado manual. E olha que ele sim, faria jus a um complicado manual de funcionamento, porque trata-se de um novo conceito de navegação de internet, dentro de outras funcionalidades que ainda estou para descobrir com a minha intuição de totó.
Mas carro não é Ipad. Um automóvel, por sua complexidade, precisa de mais explicações do que um brinquedinho de navegação virtual e penso que um manual, nesse caso, é indispensável. Convenhamos que não há intuição que ajude a saber qual fusível devo substituir quando a luz interna do lado direito do banco trazeiro do carro deixou de funcionar. Tenho que consultar a página 712 do manualzinho. E aí que as coisas complicam. A tecnologia da informação ainda não chegou na indústria automobilística. E não é atraso de terceiro mundo, porque nem mesmo os melhores automóveis importados disponibilizam um manual virtual, com vídeos tutoriais ou outros recursos que existem e que já me ajudaram a fazer coisas muito mais complexas do que trocar um fusível queimado: aprendi a fazer mosaico pela internet.
Um vídeo de trinta segundos bastaria para me mostrar como trocar o fusível em três atos: no primeiro ato, apresenta o tipo de falha "essa luz aqui não funciona?", segundo ato: "abra essa caixinha aqui e encontre o terceiro fusível de cor azul", terceiro ato: "retire esse fusível, leve numa loja de autopeças, compre um igual e encaixe no lugar de onde o retirou. ".
Mas isso seria evolução demais para quem escreve os manuais. Poderia desempregar esse pessoal, que criaria um transtorno na indústria automotiva. Além disso, acho que eu que eles sim, lêem os manuais. Antes de abrir a caixa dos produtos que comprar e de ligar o carro novo pela primeira vez. Criatividade e comunicação é a chave de ouro para criar sistemas que funcionem, que levem em conta que existem totós como eu, que compram carros e sentem dificuldade de ler as novecentas e cinquenta e sete páginas do manual. Mas é claro que eu talvez seja a exceção, um dos poucos consumidores que não sentem uma enorme satisafação em levar um manual do carro para a beira da praia e passar longas horas, me divertindo, me entretendo e conhecendo melhor esse fantástico mundo dos fusíveis queimados.

OBS: 12,87% das pessoas que leram esse artigo pensaram em me dizer que o manual não foi feito para ser lido, mas para ser consultado. Obrigado. Assim me sinto mais leve por não tê-lo lido. E que Deus proteja os meus fusíveis.

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