Há poucas décadas, os testes de QI eram amplamente aplicados e os resultados criavam distinções métricas entre pessoas mais e menos inteligentes.
O tempo passou e muitas pessoas atestadas como inteligentíssimas pelos testes de QI ao longo da vida não conseguiram transformar a sua inteligência em nada significativo, nem para elas mesmas, nem para os vigilantes e cruéis olhos da sociedade.
Ao contrário do que se esperava, pessoas que faziam seiscentos risquinhos perfeitos por minuto e resolviam desafios matemáticos complexos mascando chicletes e ouvindo música foram, com o tempo, superados por pessoas que não ficaram nos vinte e cinco risquinhos e que jamais resolveram sequer um desafio matemático infantil.
É, aquele sujeito desengonçado e de baixo QI, tido como ignorante na classe, lento e meio abobado, anos mais tarde se torna um habilidoso e rico comerciante, feliz e que ri à toa. Enquanto isso, o "número um" daquela turma, que supostamente estaria em situação muito melhor, sofre para pagar as prestações do carro, possui um casamento infeliz e está desgostoso com o trabalho que faz. Quem é o mais inteligente?
Algo de errado havia naquela medição de QI, certo? Não há dúvidas que aqueles testes subestimavam a complexidade da inteligência. É claro que o potencial medido naqueles testes teve a sua importância e finalidade, mas felizmente o enfoque sobre a inteligência mudou. O amor incondicional à lógica matemática e a marcante influência de Descartes davam uma consistente base para que pessoas dotadas dessa inteligência fossem vistas como inteligentes e veneradas.
Para a sorte do restante da humanidade que não foi o número um da sua classe, Howard Gardner criou a teoria das inteligências múltiplas, o que nos ajudou a compreender que podemos ser burros em matemática, mas sermos inteligentes em outra coisa, como por exemplo, com o corpo. Em outras palavras, o mau aluno em matemática pode se tornar um excepcional jogador de futebol, músico, jornalista, publicitário ou inventor.
As dimensões da inteligência propostas por Gardner nos ajudam não apenas a encontrar que tipo de inteligências com as quais me identifico mais, mas também me proporcionaram compreender que posso ser bom em alguma coisa e iniciar uma jornada em busca dessa descoberta.
A questão suscita o debate de um milenar questionamento existencial: "Afinal, o que é a inteligência?". De uma maneira simples, mas não simplista, percebo a inteligência como uma capacidade de aprender a ser feliz dentro das próprias limitações. A aprendizagem para tanto requer experimentação, tentativa e erro, disciplina, prazer, dor e sofrimento, angústia, ganhos, perdas e tudo aquilo que nos define como humanos.
Seria possível nos tornarmos inteligentes, então? Penso que não. Por uma simples razão: não nos tornamos inteligentes porque somos inteligentes. Temos dentro de nós uma inteligência para cada situação da vida e, ao longo do percurso, algumas são reprimidas e não se desenvolvem. Outras, são estimuladas e crescem. Por isso que um ambiente acolhedor, que permita este desenvolvimento, bem como a compreensão das nossas limitações contribui para que aprendamos a ser pessoas mais inteligentes ou, como costumo dizer, mais felizes.
*Fernando Botto é escritor.
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