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sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Negócios ambulantes são a nova febre de angola



Donos de pequenos negócios criam espaços e desenvolvem actividades lucrativas como meio de driblar a inflação imobiliária

Por Fernando Botto, publicado na Revista Figuras & Negócios, de Angola

Os “ambulantes” são os profissionais que sobrevivem de vendas de produtos de baixo valor em barracas que são instaladas temporariamente, prática típica de países em que os empregos formais são muito escassos. É claro que o surgimento, manutenção ou diminuição desse perfil de profissionais são influenciados por indicadores macroeconômicos que representam imponentes desafios para todo e qualquer governo.
Luanda atravessa um longo e tenebroso momento de inflação imobiliária, impulsionada por factores que nem os melhores economistas ou astrólogos de plantão conseguem explicar com exactidão. O custo de vida na capital, seja para nacionais ou para estrangeiros, é um dos mais altos do mundo e não se tem notícia de nenhum modelo econômico que explique o fenômeno da economia angolana, que é medalha de ouro em crescimento mundial e promete mais novidades nos preços de terrenos, apartamentos e vivendas nos próximos anos.
São muitas as variáveis que compõem o preço de um imóvel em Luanda: proximidade da Mutamba, cuja alcunha é “capital de Luanda”, andar alto ou baixo, estado de conservação do prédio, condições de água e do gerador, número de quartos e, é claro - quem pretende arrendar. O cliente ideal é o estrangeiro, de preferência que pertença a uma petrolífera disposta a desembolsar algo entre cinqüenta e cem mil dólares por dois anos de contracto de um apartamento de médio padrão com todos os predicativos de um imóvel que há mais de trinta anos não sabe o significado da palavra manutenção.
Com a procura crescente por imóveis e a incapacidade das construtoras em atender a essa demanda em tempo real, os preços tendem a subir e isso torna alguns negócios inviáveis, como é o caso de peixarias, constatado como ramo de actividade em crise, em decorrência das margens de lucro cada vez menores em função do custo para se arrendar um imóvel. Em pouco tempo, se calhar, será mais lucrativo encerrar o negócio de peixaria e “zungar” pela cidade. Difícil mesmo será desenvolver o talento das zungueiras que conseguem anunciar o seu produto com uma vitalidade vocal que daria inveja até ao saudoso tenor Luciano Pavarotti.
Mas, angolano que se preza não se deixa abater com a alta dos preços de imóveis e dá uma verdadeira aula de empreendedorismo e criatividade. Espalhados por Luanda e por muitas províncias estão pequenos empresários que incrementam os rendimentos familiares com negócios que se caracterizam pela sua mobilidade, os chamados “negócios ambulantes”. Paula José, 27 anos, há cinco anos retira seu “rollete” da garagem de sua casa na Cassenda para garantir um rendimento mensal bruto médio de setecentos dólares, obtidos do comércio de cachorro-quente, hambúrguer e bebidas diversas. A renda da empresária do “comércio ambulante” é um incremento do salário obtido como orientadora educacional. Os preços são de Kz200 por um saboroso cachorro-quente e Kz400 por um hambúrguer, que leva queijo, fiambre, ovo e salada. Segundo ela, “o meu sonho é de conseguir um emprego formal. Se eu ganhasse quinhentos dólares por mês e uma chance de crescer, deixaria tudo de lado.”
Outro empresário que soube contornar os altos preços dos imóveis é Francisco Mauete, de 26 primaveras. O jovem trabalha há dez anos com unhas e há quatro decidiu investir as economias acumuladas numa tenda. A espera dos clientes, homens e mulheres, é um dos frutos do investimento que fez. Mauete cobra entre mil e dois mil kwanzas para fazer as unhas e quinhentos pelos desenhos. Afirma o dono do negócio ambulante que “nos dias fracos ganho, no máximo 50 dólares, mas nos dias de movimento, chego a facturar até 150”. Indagado sobre o sonho da sua vida, Mauete não hesitou: “um dia terei o meu salão aqui no Cassenda”.
Mas não é apenas em Luanda que os negócios ambulantes fazem sucesso. Suzi, que vive no Calulo, na Província do Kwanza Sul, divide o seu tempo entre os dois sítios. Transporta a sua “empresa de cabelos” entre a sua encantadora cidade natal e Luanda. Nos dias de melhor movimento para aplicar cabelos, recebe cerca de dois mil kwanzas no Calulo e cinco mil em Luanda, mas adverte: “em Luanda ganha-se mais, mas gasta-se muito mais”.
Os negócios ambulantes são as soluções encontradas por empreendedores que não dispõem de recursos suficientes para arrendar um imóvel, mas buscaram recursos criativos para ganhar alguma renda extra que pode significar uma poupança para realizar um sonho, manter um padrão de vida, ou para a mera sobrevivência.
Possivelmente por representar uma possibilidade de realização de sonhos com baixo investimento inicial que o negócio ambulante se mostre tão interessante, mas vale dizer que o sucesso de qualquer empreendimento em Angola depende, além da atitude, do conhecimento do ramo e da qualidade do produto vendido ou do serviço prestado. Afinal, quando a febre da abertura de novos negócios ambulantes passar, restarão apenas aqueles que Charles Darwin chamaria de “melhores adaptados” ao imprevisível mercado angolano.

Fernando Botto é consultor de negócios em Angola: fernandokwz@gmail.com

quinta-feira, 31 de julho de 2008

O Fracasso da Rodada de Doha

Doha a quem doer e doeu. O Brasil, mais uma vez, deu um show em matéria de improviso em estratégia política internacional. Agiu como uma espécie de peixe Betta, todo colorido, nadando calmamente em mares revoltos entre tubarões ardilosamente posicionados e orquestrados por um interesse uníssono de não ceder aos esperneios dos moluscos, cianofíceas, crustáceos e alguns outros organismos procariontes quase conhecidos que lutavam por suas quirerinhas.

Não é de hoje que o Brasil é amador e destemido, pelo menos quando o assunto envolve questões internacionais. É como um eletricista que não lembra direito se o fio vermelho é positivo ou negativo, mas como é cheio de atitude, proativo, vai em frente. Nossos representantes tendem a ser inadequadamente emocionais em ambientes regidos pela razão e pelo raciocínio lógico e analítico. Na rodada de Doha, o Brasil fez cara de mau, partiu para o ataque emocional aos poderosos e fez um fã-clube de admiradores que são tão significativos quanto as hortaliças do meu quintal. Conquistamos a confiança das galinhas, mas no final, traímos os próprios princípios e nos aliamos com as raposas. Resultado: acabamos rejeitados no galinheiro e sem expressão alguma entre as raposas.

O mais cruel é que a imensa maioria dos brasileiros nem sonha o que significa OMC e a Rodada de Doha está mais para uma saidera do que para outra coisa. Há quem goste dos trocadilhos e das brilhantes parábolas presidenciais que tem nos distraído nesse país que é dirigido de uma esplêndida Brasilha das Fantasias. Mas há algo que a cada dia me intriga mais: será que os trocadilhos e as brilhantes parábolas presidenciais são mesmo trocadilhos e parábolas? Às vezes acredito que quando o Lula fala de futebol, de time que tem que jogar unido para fazer gol significa exatamente disso que ele está falando: de futebol. Nada mais. Nossos jornalistas, blogueiros, professores e até alguns esforçados profetas, tocados por uma sabedoria conquistada com muito suor e intenso esforço, são os legítimos responsáveis por dar brilho às analogias que fazem o Brasil se emocionar. E isso funciona aqui dentro. O eleitor brasileiro elege por dó, não por capacidade e muito menos por competência. Pode reparar: no Big Brother sempre vence o mais pobrinho (nem que seja de espírito).

Premiamos os criminosos e metemos na cadeia o pobre índio que descascou a árvore para fazer um chá para a esposa doente. Criminoso no Brasil tem duas opções: ou volta para a cadeia ou vira político, porque para pedir emprego com ficha criminal, não está fácil. Daqui a pouco -pela obesidade mórbida da lista dos candidatos a cargos eletivos que respondem a processos criminais- , receio que seja mais perigoso para o candidato ser barrado por não estar nela inscrito.

Em compensação, os melhores bombeiros do mundo estão aqui. Pena que quase todos eles decidiram ir para a política para apagar incêndios. Aliás, essa é a única coisa que parece planejada no governo: incêndios. Taca fogo e manda apagar, mas com águas especiais, de empresas especiais, cujos acionistas são muito especiais. Quem se lembra do kit de primeiros socorros? Das provocantes propagandas de preservativos? Agora a moda é o bafômetro. A maquininha está em todas. Só não está na rampa do Palácio do Planalto, porque não é permitido dirigir nada por lá.

A crise que vivemos não é a da política monetária do Bacen, nem das parábolas delirantes, muito menos do amadorismo em Doha. É uma crise de valores. Nossos representantes não estão sendo fiéis aos próprios princípios e isso sempre nos afastará de negociar os conflitos com base nos interesses que cada parte possui. Necessitamos de soluções sistêmicas, de investimentos maiores na educação e de ações planejadas, ao invés de apenas apagarmos, dia após dia, os intermináveis incêndios. Que tal começarmos a conter os incendiários?

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*Fernando Botto, mestre em educação e especialista em negócios internacionais.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A política especulativa do BC


Publicado no Jornal Gazeta do Povo em 14/07/2008 | Fernando Botto


Imagine como seria um programa O Aprendiz com os presidentes dos países da América do Sul? O Lula seria finalista, a modelo iria posar nua e o Chávez seria desclassificado por não ler o dossiê que continha as regras do jogo.


O governo federal resolveu ir ao cinema. Chegou atrasado e esbaforido. Sentou-se e passou a assistir ao trailer do filme intitulado "A volta do fantasma da inflação". Passaram-se dois, três, cinco, dez minutos, uma hora até que, finalmente, o astuto e atento governo notou que não se tratava de um trailer, mas do próprio filme de terror que há muito tempo havia começado.

A inflação não "despertou" de um sono profundo, como tem sido pulverizado na mídia nacional. Pelo contrário: ela foi cuidadosamente cultivada em condições ótimas de desenvolvimento. Por isso retorna, em elegante desfile na passarela dos derivados de trigo, soja e pecuária. O governo até tentou maquiá-la, mas agora nem mesmo o reboco do pedreiro dará conta do que está por vir. Não há mais saída: os governantes terão de fazer o que mais temiam: governar.

Primeira medida: achar um culpado. Nem que seja o caseiro, até porque o mordomo já está batido. A culpa caiu no mercado internacional, que "elevou" o preço dos produtos alimentares impactando fortemente no cálculo da inflação canarinha. Em retaliação à realidade, o Bacen eleva a taxa Selic como medida para combater os efeitos internos do aumento do preço do alimento no mercado mundial. Isso lembra o esforço do beija-flor que voava ao rio para buscar água e apagar o incêndio na floresta. A intenção não era apagar o incêndio, mas inspirar seguidores.

No caso, se Lula fosse um beija-flor tentando conter os efeitos do mercado internacional, conseguiria no máximo o apoio de alguns insetos e seres semi-invisíveis, líderes de economias andarilhas. Imagine como seria um programa O Aprendiz com os presidentes dos países da América do Sul? O Lula seria finalista, a modelo iria posar nua e o Chávez seria desclassificado por não ler o dossiê que continha as regras do jogo.

Nós, brasileiros criativos e competentes, não somos capazes dar outra resposta à inflação a não ser elevar a Selic? Produzir mais alimentos não forçaria a queda de preços? Revisar alíquotas de importações, incentivar o consumo de produtos substitutos ou fazer uma reforma tributária pelo jeito dá muito trabalho. O governo prefere ver R$ 10 de juros no bolso do banqueiro a ver R$ 2 de financiamento no bolso de um produtor brasileiro.

As artérias do crescimento estão entupidas e as taxas de colesterol dolarizado no país sobem. Os exportadores sofrem. A classe média quebra os cofrinhos, compra dólar e faz a alegria do Mickey e do Pateta. E agora, Meirelles? Creio que ele daria duas opções: 0,25 ou 0,50. Para qualquer doença, uma aspirina a cada quatro horas. Assim foram tratados os sinais da inflação brasileira nesses últimos anos. E vamos brindando o grau de "especulamento"!

Apesar do governo, a competente iniciativa privada brasileira faz o país crescer. Aumentar a Selic seria perfeito, se não fosse o Brasil campeão mundial de taxa básica de juros. O fato equivale a levar um obeso que deseja emagrecer a um café colonial e tentar convencê-lo de que, para quem já está tão acima do peso, algumas coxinhas e empadinhas não farão muita diferença. A explicação, óbvia e ululante, poderia ser dada pelo doutor Meirelles: não se preocupe, seu peso aumentará, no máximo, 0,25 ou 0,5 ponto porcentual.


Fernando Botto é mestre em Educação e especialista em negócios internacionais.

Disponível em http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=786589&tit=A-politica-especulativa-do-BC

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Desejo de poder e complexo de inferioridade

Quando o uso desproporcional do poder esconde o sentimento de inferioridade - Fernando Botto



Coluna Comportamento
Revista Figuras e Negócios abr/2008



A infância é uma época da vida pela qual todos passamos. Alguns permanecem nela. Enquanto crianças, bem ou mal, aprendemos a lidar com os momentos de dificuldade pelos meios que dispomos: as emoções. Nos primeiros meses de vida, em que a linguagem é apenas o choro, ele é suficiente para chamar a atenção para que alguma coisa não vai bem.

As mamães, seres encantados para os bebês, aprendem rápido a distinguir e decifrar os significados das “linguagens do choro”. Afinal, quando o bebê chora de um jeito é porque tem sono; de outro é porque tem fome e de uma outra maneira, é porque fez presentinho na fraldinha. E assim, mãe e filho passam a ter uma linguagem única, que os qualifica como um ser único durante vários meses, pelo menos do ponto de vista do bebê. Este tema é um assunto delicadíssimo, tratado com propriedade pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856 – 1939), que estabeleceu as bases para que Carl Jung (1975 – 1961) inaugurasse a expressão “complexo de Édipo”.

Segundo a mitologia grega, Édipo foi um personagem que matou o pai para casar-se com a própria mãe. O termo “complexo”, por sua vez, é utilizado para definir um conjunto de conteúdos psíquicos que não são conhecidos conscientemente pelo sujeito, mas influenciam o seu comportamento. O complexo de Édipo faz referência, portanto, a um momento em que deve ocorrer o rompimento do vínculo afetivo entre a criança e sua mãe (ou quem cumpra a função tipicamente materna). Quando esse vínculo não é rompido, perde-se a oportunidade para tal acontecimento, o que resulta em formações de personalidade doentias, segundo a psicanálise. Nesta fase da infância, nos primeiros anos de vida, é que estão as raízes de algumas psicopatologias que podem ou não se manifestar ao longo da vida.

Na infância também percebemos que há pais neuróticos, que não podem ver os filhos a chorar e se submetem a qualquer desejo que eles exprimem. Assim, essas crianças aprendem que sempre que quiserem algo, basta fazer escândalo. A dificuldade dos pais em dizerem “não” às exigências descontroladas das crianças contribuem para cultivar um adulto preparado ter reações de descontrole emocional ao menor sinal de ameaça ao seu conforto ou bem-estar.
Da mesma forma, pais que são excessivamente rígidos e dizem “não” desprovido da explicação, fundamentada apenas no “não, porquê não”, justificam a decisão no argumento do poder. A criança, sem compreender as razões da negativa, não questionam pela ameaça da punição e aprendem a agir da mesma maneira quando ocupam posições de poder, em relação aos que se situam em patamar inferior.

Tais raciocínios levam a crer que boa parte dos comportamentos na vida adulta decorrem de experiências de aprendizagem havidas no passado, sobretudo no seio da família. Quem já teve um chefe que usa do poder para obter o que deseja já deve ter descoberto que fogo não se combate com fogo. Disputar poder com ameaças ou comportamentos que expressem descontentamento criam as condições ideais para o chefe perseguir seu subordinado. Mas o que move alguém a agir dessa maneira? Necessidade de demonstrar poder é uma hipótese. E, normalmente isso está a expressar o tal do complexo de inferioridade.

É comum perceber sentimentos de inveja, ciúmes e demonstrações desproporcionais de poder motivados pelo sentimento de inferioridade. Uma anedota expressa a disputa pelo poder na historinha a seguir, em que dois sujeitos disputam o poder, representado pela vaga no estacionamento do supermercado:
- Ei! Essa vaga é minha! Eu estava a esperar pela moça que saía dela.
- Sinto muito, fui mais rápido que você. O mundo é dos espertos!
Neste momento o sujeito que perdeu a vaga para o espertinho, avançou com o seu carro esportivo uns dez metros e veio de retaguarda, com toda a velocidade em direcção ao simplório veículo do oponente. Abaixou o vidro eléctrico e respondeu:
- Discordo. O mundo é dos ricos!

Disputas como uma vaga no estacionamento ou o lugar na bicha do mercado são motivos suficientes para provocar uma disputa de ego por uma prova de quem tem a razão, de quem tem valor, de quem tem o poder. Até mesmo nos relacionamentos afetivos ou entre pais e filhos se pode perceber que há relações de poder muito bem definidas. Desde o choro do bebê, que demonstra poder sobre a mãe que corre desesperadamente ao seu encontro; ou a recusa da esposa em se entregar para o marido no momento do prazer; até o olhar triste da filha para o pai que lhe nega o direito de ir ao cinema estão presentes complexos, disputas e conflitos que resolvidos ou não, balizam as próximas experiências que estas relações terão. Assim, a esposa pode fingir o prazer; filha pode aprender a mentir que vai à casa da “amiga” e o bebê... pobre bebê. Esse só depende de como os pais agirão em função do seu choro.

Pessoas que cresceram sem a sensação de serem amadas ou, de terem valor, podem armazenar uma sensação de que devem a todo o tempo provar que possuem valor, ou seja, possuem poder e assim, movidas por um complexo de inferioridade, podem se tornar extremamente destrutivas, ao tentar desmerecer o sucesso alheio, a desmerecer conquistas dos semelhantes e ao minar a imagem daqueles que julgam não serem merecedores do destino que conquistaram.

Há como solucionar essas questões de relacionamentos em que há uma sanguinária disputa pelo poder? A solução sem si é pouco provável, mas através da comunicação aberta, o que nem sempre é fácil, pode-se aprender a administrar as situações de conflito de modo que elas se tornem suportáveis. De outra forma, a relação tende a desaparecer, para que uma das personalidades não corra o risco de se anular em nome da manutenção de algo que representa uma espécie de “prisão sem muros”.

Dez regras das pessoas que buscam o poder a qualquer preço*:
1- Não ofusque o brilho do chefe
2- Não confie em seus colegas de trabalho
3- Crie sua reputação pela aparência, não pelo conteúdo
4- Faça-se presente para seus superiores
5- Vença pelas actitudes e não discuta
6- Evite relacionar-se com pessoas com menos poder que você
7- Crie dependência das pessoas por você
8- Pense como desejar, mas comporte-se como os outros
9- Mantenha a todos num estado de tensão permanente
10- Não pareça perfeito demais
*Adaptado da obra As 48 leis do poder, de Robert Greene.

OBS: Artigo publicado na coluna Comportamento da revista Figuras & Negócios de Angola, edição de abril de 2008.

Uma análise de discurso político: ciladas e armadilhas

Fernando Botto

Este texto foi escrito para aproveitar um fragmento de discurso feito no meio político como um subsídio rico que ilustra as armadilhas que existem nos questionamentos e posicionamentos que são a matéria-prima de verdadeiras pérolas da comunicação.

A intenção da análise não é a de emitir juízo de valor sobre uma ou outra pessoa, mas de propor uma reflexão sobre a temática, que traz um rico conteúdo para se discutir filosofia, ética e cidadania.

No dia 7 de maio de 2008, uma ministra de governo, na qualidade de depoente, se apresentou para uma comissão do senado para esclarecer questões relativas a obras de um determinado programa.

Em meio a perguntas, afirmações e argumentações capciosas e sub-reptícias os debates tomaram um rumo complicado logo na sua abertura, como num delicado jogo de xadrez, em que o movimento de um inocente peão poderia custar a cabeça do rei – ou da rainha.

Numa ousada manifestação, tomada de sentimentos visíveis e audíveis, a ministra depoente, provocada pelo discurso de um senador, sacrificou uma peça importante do jogo, quando manifestou o seguinte: “Me orgulho de ter mentido [...] Aguentar tortura é dificílimo”.

Os motivos que levaram a ministra a mentir, no contexto de tortura, são justos. A conduta de verbalizar o “orgulho de ter mentido”, penso que foi inadequado. Verdade e mentira são conceitos diametralmente opostos e creio que a intenção foi manifestar “a ausência de arrependimento” por parte da ministra por ter mentido sob tortura. Não a “satisfação por ter mentido” naquelas circunstâncias.

O dicionário Globo conceitua orgulho como “Elevado conceito que alguém faz de si mesmo; excesso de amor próprio; soberba; vaidade [...]”. Orgulhar-se da mentira seria o mesmo que gabar-se da grandiosa capacidade de fingir, desvirtuar, ocultar ou falsear a verdade? Este pequeno fragmento proferido permite concluir, por ilação, que a depoente, movida por sentimentos arrancados com a astúcia de experientes parlamentares, preferiu enaltecer a própria capacidade de conseguir mentir numa sessão de tortura – o que qualquer pessoa de razoável inteligência faria -, ao invés de atribuir a um grupo de pessoas severamente afetadas por psicopatologias perversas a culpa de obrigar, uma pretensa defensora da verdade a usar da mentira como único meio de defesa, de uma legítima defesa, frise-se.
Ao invés de manifestar o orgulho por mentir, parece ser uma opção de discurso mais interessante dizer “Me envergonho por ter mentido. [...] Agüentar tortura é dificílimo”.

Entre a verdade e a mentira, numa situação de ausência de tortura, sem pressupostos que justifiquem uma permissão ética para mentir, a depoente escolheria a mentira? Orgulhar-se de mentir no contexto de tortura pode ser entendido como “apesar de ter estar sob uma pressão física e psicológica insuportável, consegui, mesmo assim, mentir e - me orgulho disso.”

Não era esse o caso, penso. A depoente quis manifestar o oposto, mas foi traída no jogo de palavras, na quase-lógica aristotélica, muito bem articulada pelo astuto senador, num exercício cruel do argumentum ad persona, mencionado por Schoppenhauer como uma estratagema de alto poder destrutivo.

E a pergunta imediata seria: como sair dessa situação sem deturpar o significado da verdade e da mentira e se posicionar diante da agressão de ser provocada a falar sobre o tema?

Uma possibilidade seria recolocar o trem nos trilhos. Esta é uma sugestão de resposta ao senador provocativo: “de fato, senador, manifestei naquela notícia que me orgulho de ter mentido, mas na verdade eu não sinto orgulho de nada o que aconteceu naquele dia. Pelo contrário. Sinto-me envergonhada por ter mentido, pois sempre preservei a verdade como um valor irretratável na minha vida e, com a mesma permissão que o nobre senador deu a si mesmo de tocar num assunto tão íntimo, de uma violação moral tão intensa que sofri, me permito dizer que invocar essas minhas memórias é uma maneira condizente com a conduta parlamentar, de tentar desestabilizar a qualquer custo o equilíbrio emocional e psicológico de quem ocupa a minha posição, de depoente. A sua postura, senador, é tão covarde e reprovável quanto a daquelas pobres almas que me subjulgaram e me obrigaram a abrir mão de um valor muito importante para mim, que era dizer a verdade, mas assim agi, com vergonha de admitir, porque preferi preservar um valor muito maior, que era a minha própria vida. Senador, o motivo do meu depoimento aqui é falar sobre as obras de um determinado programa, pois esta comissão do senado é a de Infra-Estrutura, vale lembrar e, por esta razão, não responderei a questões que tenham por objetivo desvirtuar o rumo dos bons trabalhos que são desenvolvidos aqui na casa, com competência e seriedade. Se a casa me convocar para tratar desse outro tema especificamente, estarei pronta para defender os meus valores e minhas atitudes. Quero dizer, para concluir, senador, que eu me envergonho de ter que dirigir essas palavras em vão a Vossa Excelência pois, para compreendê-las, na essência, seria desejável que compartilhássemos dos mesmos valores.”

Reconheço que é muito mais confortável analisar um discurso escrito e elaborar uma possibilidade de resposta do que responder a uma indagação no calor do momento. Por isso ressalto que a intenção desta reflexão é mostrar como a comunicação, no contexto político, é uma arte complexa e interessante, ao mesmo tempo em que se mostra desafiadora e perigosa.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

A melancia mais cara do mundo

Coluna Comportamento – Revista Figuras & Negócios – Angola – outubro de 2007



A MELANCIA MAIS CARA DO MUNDO

Relacção entre comerciantes e clientes tende a melhorar, pois ambos começaram a perceber os resultados positivos de uma relação ganha-ganha



Por Fernando Botto*



O angolano é possivelmente o povo mais cosmopolita do mundo. E esta formação multicultural faz do país uma verdadeira torre de Babel, com a diferença de haver intérpretes por todos os lados e um desejo comum a todos: aproveitar ao máximo o momento fértil para negócios que o país atravessa.

Seduzidos pelas incontáveis possibilidades de se abrir o próprio negócio, muitos empreendedores nacionais e estrangeiros arregaçam as mangas da camisola, respiram fundo e partem para a realização de seus projectos. Um contacto, uma conversa, um negócio. Outra conversa, outro contacto, outro negócio. Assim é Luanda: um centro nervoso de comércio que se desenvolve numa velocidade que é difícil de acompanhar. Não tem hora nem lugar. Ali mesmo, na calçada, entre o miúdo que engraxa os sapatos e as zungueiras que oferecem os saborosos abacaxis de Cabinda e os deliciosos morangos do Huambo que tudo acontece. Trata-se de uma curiosa economia a céu aberto que movimenta inúmeros pequenos negócios que podem render desde o almoço daquele dia até a motorizada que o miúdo sempre sonhou.

“E lá estão as duas realidades tão próximas e tão distantes: executivos e vendedores do asfalto. Duas espécies de profissionais que possuem pouco tempo para expor as suas idéias, convencer e criar entusiasmo em seus clientes para concluir a negociação e assim, garantir o funge do dia seguinte.”



Pouca habilidade na hora da venda pode fazer um cliente escapar e, no bolso dele, o almoço do vendedor informal. E nas ruas de Luanda é fácil notar a energia desses incansáveis vendedores do asfalto, canalizada para a possibilidade de se faturar alguns kwanzas no trânsito engarrafado. Este cliente, que compra por impulso, pode a qualquer momento ser obrigado a cancelar a negociação, por conta da bicha voltar a andar. E assim, adeus cliente. Curioso é o fato de que este cliente está de passagem, sempre atrasado. Em Luanda, o meio de locomoção mais rápido que existe ainda são as havaianas. E lá estão as duas realidades tão próximas e tão distantes: executivos e vendedores do asfalto. Duas espécies de profissionais que possuem pouco tempo para expor as suas idéias, convencer e criar entusiasmo em seus clientes para concluir a negociação e assim, garantir o funge do dia seguinte. Todos estão sujeitos às mesmas regras, de uma forma ou de outra.



“Tal facto poderia constar no livro dos recordes, como a melancia mais cara do mundo, ao lado da zungueira mais contente de Angola.”



Inevitavelmente, os negócios em Angola têm uma supervalorização do momento presente. Vale tudo para fechar um negócio naquele momento. O preço inicial de uma inofensiva melancia que passeia na cabeça de uma zungueira varia conforme os bigodes do freguês. Assim, uma ingênua senhora estrangeira surpreendeu-se por conseguir comprar uma melancia pequenina por cinco dólares. O marido, desconfiado, indagou quantos kwanzas custou a tal da fruta. Juntos, descobriram que quatro mil kwanzas eram cinquenta dólares, ao invés dos cinco dólares mencionados pela esposa. Tal facto poderia constar no livro dos recordes, como a melancia mais cara do mundo, ao lado da zungueira mais contente de Angola.

Às vezes basta atravessar a rua para pagar menos. E o angolano que se preza dá valor ao dinheiro. Atento a isso, o comércio local tem evoluído a passos largos, tanto na variedade quanto na qualidade dos serviços e dos atendimentos. O facto é que a época dourada de inexistência de vizinhos concorrentes já mostra pontos de ferrugem, o que tem obrigado as empresas a oferecer “algo mais” do que simplesmente disponibilizar seus produtos na loja. E os clientes estão a ficar cada vez mais exigentes.

No Brasil, antes do Código de Defesa do Consumidor (1990), quem comprava qualquer coisa estragada não tinha a quem recorrer e, em 95% dos casos, arcava com o prejuízo do infeliz “sorteio”. Hoje, com mais de quinze anos daquela legislação, existem multas aplicadas a companhias aéreas que não foram claras em suas comunicações de atraso aos clientes no valor equivalente a quinhentos mil dólares; órgãos de empresas do sector eléctrico destinados a calcular indemnizações a clientes que tiveram electrodomésticos queimados por variação da energia; devolução de valores pagos em produtos defeituosos e tantos outros exemplos que são manifestações de respeito à cidadania e à democracia.

Angola está a presenciar uma fase incipiente desta transformação da postura dos comerciantes. Os negócios em que uma parte lucra muito, por se aproveitar da ingenuidade da outra está a dar lugar a uma postura mais ética e comprometida com o relacionamento longo, de parceria, em que o comerciante lucra menos e o cliente tem mais vantagens e benefícios, tais como crédito, garantia, manutenção especializada, atendimento personalizado e outras formas de cativá-lo em troca da fidelidade. Manter um cliente é muito mais barato do que captar um novo. E essa filosofia de negócio tende a ganhar cada vez mais adeptos nas ruas de Luanda. O bom atendimento frutifica no boca a boca e pode resultar no aumento de clientela. Por outro lado, o cliente insatisfeito faz questão de dividir a sua ira com mais dez ou quinze conhecidos.

“enquanto os concorrentes olhavam para o cliente como uma venda de meio dólar, ele via esse mesmo cliente como uma venda de duzentos e sessenta dólares, [...] nos próximos cinco anos”

Um pipoqueiro que ganhou muito dinheiro, indagado sobre qual era o segredo de seu sucesso, revelou que a maneira que ele enxergava seus clientes fazia a diferença: enquanto os concorrentes olhavam para o cliente como uma venda de meio dólar, ele via esse mesmo cliente como uma venda de duzentos e sessenta dólares, que esta pessoa gastaria se o visitasse, acompanhado, uma vez por semana nos próximos cinco anos. Assim, aquele criativo profissional se transformou num disputado e muito bem remunerado pipoqueiro e palestrante motivacional. Esta é a escolha de se valorizar o futuro, desafio a ser construído por todos, seja no comércio, na previdência social, no planeamento familiar, no investimento em educação ou em qualquer outra escolha de sofrer um pequeno sacrifício no presente em nome de um benefício a ser colhido no amanhã.

Enquanto isso, aquela ingênua senhora compradora da inusitada melancia se tornou uma crítica contumaz das frutinhas vendidas no asfalto. Aliás, as melancias não têm nada a ver com isso. E a zungueira, mulher forte, destemida, com um filho nas costas e o outro no ventre, não hesita em sair de casa muito cedo na esperança de fazer bons negócios nas ruas de Luanda. E por sinal, dá show em muitos executivos, em matéria de negócios.



*Fernando Botto é director executivo da BBS Escola Internacional de Negócios de Angola, escritor, mestre em Educação, especialista em Negócios Internacionais e em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise.

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