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quinta-feira, 8 de maio de 2008

Uma análise de discurso político: ciladas e armadilhas

Fernando Botto

Este texto foi escrito para aproveitar um fragmento de discurso feito no meio político como um subsídio rico que ilustra as armadilhas que existem nos questionamentos e posicionamentos que são a matéria-prima de verdadeiras pérolas da comunicação.

A intenção da análise não é a de emitir juízo de valor sobre uma ou outra pessoa, mas de propor uma reflexão sobre a temática, que traz um rico conteúdo para se discutir filosofia, ética e cidadania.

No dia 7 de maio de 2008, uma ministra de governo, na qualidade de depoente, se apresentou para uma comissão do senado para esclarecer questões relativas a obras de um determinado programa.

Em meio a perguntas, afirmações e argumentações capciosas e sub-reptícias os debates tomaram um rumo complicado logo na sua abertura, como num delicado jogo de xadrez, em que o movimento de um inocente peão poderia custar a cabeça do rei – ou da rainha.

Numa ousada manifestação, tomada de sentimentos visíveis e audíveis, a ministra depoente, provocada pelo discurso de um senador, sacrificou uma peça importante do jogo, quando manifestou o seguinte: “Me orgulho de ter mentido [...] Aguentar tortura é dificílimo”.

Os motivos que levaram a ministra a mentir, no contexto de tortura, são justos. A conduta de verbalizar o “orgulho de ter mentido”, penso que foi inadequado. Verdade e mentira são conceitos diametralmente opostos e creio que a intenção foi manifestar “a ausência de arrependimento” por parte da ministra por ter mentido sob tortura. Não a “satisfação por ter mentido” naquelas circunstâncias.

O dicionário Globo conceitua orgulho como “Elevado conceito que alguém faz de si mesmo; excesso de amor próprio; soberba; vaidade [...]”. Orgulhar-se da mentira seria o mesmo que gabar-se da grandiosa capacidade de fingir, desvirtuar, ocultar ou falsear a verdade? Este pequeno fragmento proferido permite concluir, por ilação, que a depoente, movida por sentimentos arrancados com a astúcia de experientes parlamentares, preferiu enaltecer a própria capacidade de conseguir mentir numa sessão de tortura – o que qualquer pessoa de razoável inteligência faria -, ao invés de atribuir a um grupo de pessoas severamente afetadas por psicopatologias perversas a culpa de obrigar, uma pretensa defensora da verdade a usar da mentira como único meio de defesa, de uma legítima defesa, frise-se.
Ao invés de manifestar o orgulho por mentir, parece ser uma opção de discurso mais interessante dizer “Me envergonho por ter mentido. [...] Agüentar tortura é dificílimo”.

Entre a verdade e a mentira, numa situação de ausência de tortura, sem pressupostos que justifiquem uma permissão ética para mentir, a depoente escolheria a mentira? Orgulhar-se de mentir no contexto de tortura pode ser entendido como “apesar de ter estar sob uma pressão física e psicológica insuportável, consegui, mesmo assim, mentir e - me orgulho disso.”

Não era esse o caso, penso. A depoente quis manifestar o oposto, mas foi traída no jogo de palavras, na quase-lógica aristotélica, muito bem articulada pelo astuto senador, num exercício cruel do argumentum ad persona, mencionado por Schoppenhauer como uma estratagema de alto poder destrutivo.

E a pergunta imediata seria: como sair dessa situação sem deturpar o significado da verdade e da mentira e se posicionar diante da agressão de ser provocada a falar sobre o tema?

Uma possibilidade seria recolocar o trem nos trilhos. Esta é uma sugestão de resposta ao senador provocativo: “de fato, senador, manifestei naquela notícia que me orgulho de ter mentido, mas na verdade eu não sinto orgulho de nada o que aconteceu naquele dia. Pelo contrário. Sinto-me envergonhada por ter mentido, pois sempre preservei a verdade como um valor irretratável na minha vida e, com a mesma permissão que o nobre senador deu a si mesmo de tocar num assunto tão íntimo, de uma violação moral tão intensa que sofri, me permito dizer que invocar essas minhas memórias é uma maneira condizente com a conduta parlamentar, de tentar desestabilizar a qualquer custo o equilíbrio emocional e psicológico de quem ocupa a minha posição, de depoente. A sua postura, senador, é tão covarde e reprovável quanto a daquelas pobres almas que me subjulgaram e me obrigaram a abrir mão de um valor muito importante para mim, que era dizer a verdade, mas assim agi, com vergonha de admitir, porque preferi preservar um valor muito maior, que era a minha própria vida. Senador, o motivo do meu depoimento aqui é falar sobre as obras de um determinado programa, pois esta comissão do senado é a de Infra-Estrutura, vale lembrar e, por esta razão, não responderei a questões que tenham por objetivo desvirtuar o rumo dos bons trabalhos que são desenvolvidos aqui na casa, com competência e seriedade. Se a casa me convocar para tratar desse outro tema especificamente, estarei pronta para defender os meus valores e minhas atitudes. Quero dizer, para concluir, senador, que eu me envergonho de ter que dirigir essas palavras em vão a Vossa Excelência pois, para compreendê-las, na essência, seria desejável que compartilhássemos dos mesmos valores.”

Reconheço que é muito mais confortável analisar um discurso escrito e elaborar uma possibilidade de resposta do que responder a uma indagação no calor do momento. Por isso ressalto que a intenção desta reflexão é mostrar como a comunicação, no contexto político, é uma arte complexa e interessante, ao mesmo tempo em que se mostra desafiadora e perigosa.

Um comentário:

Anônimo disse...

A ministra é a Dilma Rousseff e o senador é o Agripino?

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