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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Geremias, o melhor jornaleiro das ruas de Luanda


Num dia desses tive uma experiência nova e interessante. Fiz uma palestra num dos mais belos auditórios de Luanda, para um público que foi atraído por um anúncio de jornal e alguns convites que foram encaminhados a alguns conhecidos.

O tema da palestra foi "Os segredos do inconsciente: como as nossas experiências do passado afetam as nossas decisões do presente". Na verdade, abordei alguma coisa entre mãe Dinah, Freud e a turma-do-deixa-disso. Gosto de palestras conteudistas, mas não dispenso algumas piadinhas contextualizadas, magiquinhas close-up igualmente contextualizadas e a geração de insights, o que deu origem à minha curisosa experiência.

Palestra feita, senti que fiz um bom trabalho. Os participantes foram ótimos, interagiram todo o tempo, riram até das piadas que minha mãe insistiria em ficar com cara de coruja, como diz meu amigo Cosenza. No dia seguinte da palestra, recebi uma mensagem no celular, ou um toc-toc, como se diz em Angola.

O torpedo (nome mais usado do Brasil), dizia o seguinte: "Geremias Afonso, tive o privelégio de ver a plalestra, soube através dos jornais que normalmente vendo. Queria falar com o senhor 15 minutos."

Como era umas onze da noite, deixei para responder no dia seguinte. Rotina pesada, esqueci de retribuir o SMS (apelido do torpedo). Passado mais um dia, o tal Geremias me telefona. Parece estar incomodado, porque sentia que estava me incomodando. Praticamente repetiu o que escreveu na mensagem e pediu os tais 15 minutos. Disse a ele que teria muita satisfação em falar com ele na sexta-feira da semana seguinte.

Passados os dias, lá estava ele, pontual. De cara percebi que se tratava de um jovem de uns 20 anos de idade, trabalhador e daquele tipo que se sentia num momento de glória por estar sendo atendido por um jovem um pouco mais idoso que usava terno e gravata. Ele mal me olhava nos olhos. Pedi para que ele sentasse e disse que estava à disposição dele. O diálogo abaixo corresponde ao que falamos, com a fidelidade que o meu hipocampo permitiu:

- Puxa! Eu quero agradecer imenso por me receber, doutor. Eu sou Geremias Afonso e estive na sua palestra. Teve muita coisa que você falou me tocou fundo mesmo. Eu também quis ser atleta, mas não consegui realizar o meu sonho. E por isso pedi quinze minutos do seu tempo para lhe falar.
- Obrigado, Geremias. Pode me chamar de Fernando. Imagino que tenha alguma coisa muito importante para me contar, não é?
- Tenho sim. Na verdade, eu tenho um irmão para sustentar. Não temos pai e a nossa mãezinha morreu há alguns anos. Desde então eu faço o que posso para levar a vida minha e do meu irmão.
- E o quê faz?
- Eu sou ambulante. Vendo jornais no trânsito.
- E está estudando?
- Sim, senhor. Em dois anos termino o curso técnico em gestão. E eu sei que a escola que vocês têm aqui em Angola é muito conceituada.
- É Geremias, trabalhamos muito para isso acontecer, mas tem muito a ser feito ainda. Mas, sem querer mudar drasticamente de assunto, como já se passaram oito minutos, e me pediu quinze, percebo que o motivo da sua visita não é exatamente uma oportunidade de emprego, ou é?
- Não! Claro que não! Eu vim aqui porque... porque...
- Queria ouvir um aconselhamento porque se identificou com o que eu disse na palestra?
- É. (olhando para baixo)
- Muito bem. Foi um grande gesto seu. Coragem, ousadia e proatividade. Aprimore estas suas qualidades que já terá boas oportunidades na vida. Mas creio que eu possa te contar uma historinha que vai durar mais ou menos quatro minutinhos. Pode ser?
- Claro que sim, foi isso que eu pedi. Sei que é muito ocupado e eu só quero 15 minutos do seu tempo.
- Está bem. Lembro de uma história que aconteceu com um menino, num país distante, que desde muito cedo começou a trabalhar como ambulante, vendendo jornais, como você. E este menino não apenas vendia os jornais, mas procurava ler aquilo que vendia e procurou conhecer quem eram os seus clientes habituais. Descobriu quais as notícias que mais gostavam e sempre que havia algo que sabia a quem iria interessar, partia em busca da venda. Com o tempo, aquela "pequena" quantidade de informações que o menino lia fez com que ele se tornasse alguém muito acima da média dos jovens da sua idade. E, com isso, num dado dia, recebeu ele a chance de dar uma ajuda inesperada a um de seus clientes. O homem perguntou quanto custavam todos os jornais que ele vendia num dia. O menino respondeu e o homem pagou o dobro pelo dia de trabalho. E assim, motivado, com o desejo de se aprimorar, curioso, proativo, este menino conquistou a confiança daquele senhor.
- E deixou da vida dura de vender jornais?
- Não só deixou como ele se transformou num homem que revolucionou a humanidade. E qual foi a receita do sucesso? As dificuldades que ele passou criaram as condições para ele descobrir habilidades muito especiais.
- E o que ele fez para se aprimorar?
- Em primeiro lugar, lia os jornais. Estudou, sempre foi extremamente educado e disposto em se apresentar ao trabalho. Ele teve uma história muito parecida com a sua.
- É verdade. Mas será que eu consigo mudar de vida?
- Esta resposta só terá no futuro. Mas não espere o futuro. Crie condições para ele ser bem recebido. Aliás, vou dar um telefonema. Você gostaria de ter uma chance num emprego formal?
- É o que eu mais queria, mas eu não vim pedir isso. (com nítida agitação)
- Eu sei disso, mas conheço uma profissional de uma empresa que me disse num dia desses que precisava de alguém com o seu perfil.

Feita a ligação, pedi a uma amiga que o recebesse, sem compromisso, para um cadastro na empresa de vendas.

- Pronto, Geremias, mas tem uma coisa: essa é a sua melhor roupa?
- Não senhor.
- Eu creio que você deve pensar nesta chance como uma oportunidade. Vá para casa, coloque a sua melhor roupa e leve um currículo impresso. Tem currículo escrito?
- Tenho, mas não está em condições de apresentar.
- Ou seja, não tem. Geremias, a minha parte, que estava a meu alcance, está feita. Agora é contigo. Terá uma entrevista em menos de seis horas. E eu já ia me esquecendo, aquele jornaleiro da historinha teve uma oportunidade muito parecida com esta que surgiu para você. E, como combinamos, temos agora quinze minutos. Quer dizer mais alguma coisa?
- Não, senhor Fernando. Quero apenas te agradecer pelos quinze minutos. Muito obrigado. (e se despediu, visivelmente emocionado)

Muitas vezes o que é mais precioso que podemos dar às pessoas é a esperança. A sensação de que existe alguém que acredita em nós e nos nossos potenciais nos dá forças tanto para superar as dificuldades quanto para invocarmos as nossas capacidades criativas para seguirmos sempre em frente.

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