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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A psicologia do mal na telefonia celular

Conhecer, predizer e controlar o comportamento humano são perspectivas das ciências do comportamento que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas, desde que tais sabedorias não caiam em mãos erradas.

Quem tem sido vítima de uma violência noturna das companhias de telefonia móvel sabe o que isso significa. Imagine-se numa noite tranquila, em que reina uma paz infinita, com sonhos agradáveis que poderiam ser eternizados, quando de repente, uma campainha histérica soa e te suga subitamente para a realidade. São quatro horas da manhã e não se trata de nenhuma desgraça familiar: é apenas a sua gentil operadora informando que o saldo do seu telemóvel está quase no fim.

A análise do comportamento nos revela que frequentemente agimos de modo a evitar aquilo que nos é aversivo, portanto, desenvolvemos no nosso repertório pessoal as noções de fuga e de esquiva. As operadoras descobriram que enviar torpedos de madrugada para você efetuar uma recarga é um estímulo terrivelmente cruel ou, na linguagem dos especialistas, intensamente aversivo. E ainda, quanto maior a insistência, maior a probabilidade do cliente “aprender” a agir como deve: passar a efetuar recargas preventivas para evitar os inconvenientes SMS da madrugada.

Mas não podemos reclamar, pois temos um sistema legal formidável que nos protege de abusos ainda maiores! Para a nossa sorte, os competentes legisladores brasileiros por enquanto não regulamentaram a venda de aparelhos celulares que emitem choques elétricos quando os créditos estão baixos e que ficam permanentemente eletrificados quando o saldo termina até que façamos a próxima recarga. Embora tenhamos uma classe política atuante, é desejável que as autoridades defensoras do bom sono dos consumidores se atentem, porque a tecnologia que “descobre” quando você começa a cochilar já existe numa certa marca de veículos. Já pensou se ela resolve fazer uma associação tipo joint venture com as empresas de telefonia móvel para que estas enviem seus SMS aos seus clientes que estão com o saldo baixo no momento exato do pimeiro cochilo?

Às vezes me pergunto se sou apenas eu que acho um abuso das operadoras lançarem mão destes recursos malignos para atingir seus propósitos. Em seguida, concluo que sou possivelmente o único portador de um telefone celular que deixo o saldo chegar no finalzinho para, então, efetuar a recarga e isso deve irritar profundamente o pessoal da minha operadora. Portanto, agora percebo o quão aversivo sou eu, que não participo das promoções imperdíveis que recebo por SMS e que ainda tenho a petulância de recarregar os créditos apenas quando eu quiser. Quando se analisa a situação deste prisma, vejo que a operadora de telefonia quer o meu bem e eu desejo que quem teve essa ideia brilhante dos SMS da madrugada durma profundamente, porque já é tarde e eu esqueci que ainda tenho que escovar os dentes e recarregar o meu celular.

*Fernando Botto é escritor, autor dos livros Alho, cebola e beijo na boca e Fungos da Mongólia. Tem celular pré-pago e sofre de insônia, momentos que aproveita para escrever artigos e ler SMS.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pessoas com deficiência: os rumos brasileiros

Imagine que você tenha sido designado para escrever um discurso de boas-vindas a um grupo de visitantes com deficiências visual, auditiva e mental e precise empregar uma expressão genérica para retratar esta condição, por qual delas optaria? Pessoas deficientes, pessoas portadoras de deficiência ou pessoas com deficiência?

A dificuldade de escolha é comum e compreensível. Jornalistas muito experientes também experimentam a mesma dúvida que cada um de nós passamos quando temos que optar pela expressão que julgamos mais adequada.

Quem optou por empregar o termo "pessoas com deficiência" acertou. Esta expressão é adequada, educada e assertiva e devemos aprender a utilizá-la com naturalidade para colocarmos em prática o exercício da cidadania no que se refere à inclusão social. Infeliz a expressão "pessoas deficientes", porque não faz sentido tomar o todo pela parte. Uma deficiência auditiva não torna a pessoa inteiramente deficiente, como o termo mal empregado supõe. Da mesma forma, usar a expressão "pessoa portadora de deficiência" é uma analogia igualmente infeliz à portabilidade da telefonia. Se uma pessoa com deficiência efetivamente portasse a sua deficiência, bastava deixá-la num canto qualquer e pronto.

Portano, sem preocupação de sermos inadequados ou desrespeitosos, utilizemos a expressão "pessoas com deficiência", porque precisamos promover a inclusão de todas as pessoas e reconhecer o valor humano que existe em cada um de nós.

Todos ser humano é limitado e alguns possuem limitações maiores que podem caracterizar desde uma pequena dificuldade até uma completa incapacidades para algumas atividades, mas isso não pode ser interpretado como uma deficiência da pessoa, mas uma pessoa que possui algum tipo de deficiência.

Está se estabelecendo no mundo uma nova ótica das deficiências, não mais definidas apenas por seus aspectos biológicos, mas biopsicossociais e em termos de funcionalidade, como preconiza a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde).

Nos próximos anos, o Brasil viverá muitas transformações no que se refere à inclusão de pessoas com deficiência na educação regular. Em decorrência da Declaração de Salamanca de 1994, tivemos o decreto 7.611/2011, que estabelece um novo paradigma na educação inclusiva. Embora as novas políticas públicas representem um avanço no que tange ao alinhamento com as políticas internacionais do setor, na prática, a mudança representa um duro golpe no funcionamento de instituições educacionais voltadas a essas minorias.

Infelizmente, o decreto 7.611/11, que faz parte do plano "Viver sem limites",
decretou uma sentença de morte às instituições de ensino especializadas voltadas a alunos com deficiências, que terão corte de recursos públicos. Mais uma vez, importamos um modelo europeu, planejado minuciosamente para uma realidade européia e o implantamos sem reflexão alguma na realidade brasileira.

O Brasil possui um ensino público feito muito mais do amor dos professores pela educação do que pelo vergonhoso incentivo salarial e dos parcos benefícios que o governo a eles destina. Oxalá um dia teremos uma indexação salarial da classe política à dos professores da rede pública de ensino.
A sorte está lançada.

Fernando Botto é escritor, mestre em educação e especialista em saúde mental, psicopatologia e psicanálise.

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