Poucos assuntos dominaram a pauta de tantos noticiários,
rodas de conversa informais e redes sociais por tanto tempo quanto novo
coronavírus. Diante de tantos encontros e desencontros, é possível atestar que a
medicina tem uma poderosa capacidade de mapear e de descobrir cada vez mais
sobre a doença, proporção que muitas vezes não acompanha o conhecimento sobre o
paciente em sua singularidade. Aí entram as habilidades sociais das pessoas que
têm algum tipo de contato com o paciente, das quais pode se destacar a empatia,
que representa um bálsamo nessa distância abismal que separa um conjunto de
sintomas a serem tratados da pessoa que os apresenta.
Os currículos das faculdades de medicina cada vez mais
valorizam a relação médico-paciente, pois entre livros, teorias e ensaios
clínicos randomizados, é preciso que os conhecimentos produzidos pela ciência
sejam apropriados por médicos que vivam sua profissão permeando suas práticas
com sabedoria a humanização.
O conceito de saúde evoluiu, do silêncio dos órgãos assim
definido por Xavier Bichat, pai da anatomia, ao bem-estar biopsicossocial,
preconizado pela OMS. Frequentemente subvalorizado, o fator psicológico se
mostra um componente crucial para a evolução clínica dos pacientes acometidos
pelo COVID19. A mente é poderosa, mas sua força pode ser canalizada tanto para superar
doenças quanto para o agravamento do quadro. Por isso, uma medicina que
proporciona ao paciente a esperança e que desperta no mesmo a confiança e a
sensação de que ele está sendo cuidado de verdade, com atenção e respeito
promove uma dose extra de vitalidade que tem influência na capacidade de
resposta imunológica mais efetiva.
Esse papel de estímulo psicológico, de apoio e esperança
também ganha contornos de relevo quando outros profissionais se aproximam do
paciente em tratamento, em especial enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e
assistentes sociais. Mas não me restrinjo a esses profissionais. Sempre defendi
que o treinamento de equipe das instituições de saúde deve ser proporcionado a
todos os seus quadros, o que inclui terceirizados de todas as áreas – sem
exceção. Posso relatar, de experiência própria e alheia, que algumas das
melhores pílulas de otimismo me foram oferecidas por profissionais de apoio
administrativo e operacional. Entre eles, o recepcionista do estacionamento da
clínica onde fiz exames, a atendente de telefone do plano de saúde e do
laboratório, e as pessoas que me conduziram em todo o processo das testagens
até a retirada dos laudos.
Os profissionais de apoio são igualmente heróis sem capa.
Pelo menos a ampla maioria deles, que permanecem sob pressão de estarem constantemente
em contato com exposição ao risco não apenas pessoal, mas junto de seus
familiares, que indiretamente são submetidos aos perigos de contaminação
indireta. Os profissionais da linha de frente se protegem, mas ninguém está
livre de se tornar um uber do vírus, o transportando de lado ao outro, de modo
assintomático. Por isso as medidas de prevenção devem ser mantidas mesmo para
os vacinados.
Meu contágio tem elevada probabilidade de que tenha ocorrido
na empresa onde trabalho, pois vários membros da alta gestão se contaminaram
concomitantemente. Notei um espirro de um colega, que já no dia seguinte
começou a ter sintomas agravados. Na semana seguinte, outro colega deu um
espirro e relatou uma leve dor de cabeça. Diagnosticou também. Dias depois,
outro colega, mesmo sem sintomas, testou positivo. Vou chamar de dia 1 quando
tive o último contato pessoal com um colega que foi diagnosticado, data
provável do meu contágio. Praticávamos cuidados de uso de máscara,
distanciamento e frequente aplicação de álcool em gel, no entanto, reuniões
constantes e as típicas cobranças por resultados de qualquer ambiente empresarial
também representam riscos de maior exposição.
No dia 2 iniciei o trabalho remoto numa decisão tomada para
ampliar essa modalidade para toda a empresa, nos setores que tal providência
pudesse ser adotada sem prejuízos aos processos da companhia. Nenhum sintoma e
excelente disposição até então. No dia 3, por desencargo de consciência, fiz um
teste PCR, que resultou negativo. Experiência incômoda, mas, para mim, de muito
menor impacto quando comparada ao terror que foi propagado por outras pessoas
do que era a sensação do cotonete penetrando pelas narinas. Isso sim é um
desserviço: espalhar o medo de fazer um exame.
No dia 5, dia em que dormi apenas umas quatro horas, o que é
muito pouco para o meu organismo, ao caminhar num lugar isolado, acabei sendo
atacado por uma gangue de butucas (ou mutucas dependendo da região). Foram mais
de quarenta picadas, harmonicamente distribuídas entre as pernas, abaixo dos
joelhos. Naquela noite, não consegui dormir sequer duas horas contínuas por
conta das coceiras nas picadas. No dia 6, o quadro alérgico se intensificou e
picadas que ficaram rígidas e de cor vermelha intensa. Tomei um potente
anti-histamínico e a coceira cessou. No dia 7, sem sentir mais as coceiras,
comecei a apresentar dor de cabeça e febre. Para meu infortúnio, o local onde
fui atacado pelos insetos poderia sugerir infecção por dengue ou por
chikungunya.
Iniciei com o antitérmico. A febre não baixou, mas as dores
deram uma aliviada. Os 37,5oC se repetiram pelos dias 8 e 9, quando
a asma começou a exigir a bombinha e a garganta deu uma arranhada. Acordei com
uma dor insuportável na lombar. Começou a doer com mais intensidade as costas e
o peito. Fui me aconselhando por telefone por um médico conhecido, que me
recomendou aguardar até o dia 10 para repetir o teste do COVID-19. Enfim, no
dia 10 consultei um otorrino que constatou uma faringite, pediu exames de
sangue e uma tomografia de tórax, receitou corticoides, antibiótico e um xarope
para tosse. Disse que a febre deveria abaixar com os antitérmicos em breve.
No dia 11, novo teste do cotonete no nariz, quatro ampolas
de sangue e a tomografia. A febre subiu para 38,5 oC e nada de
baixar, mesmo com a dose maior de antitérmico. Uma tosse leve e contínua, sem
secreção, se mantinha. A disposição e a energia estavam boas, ainda dando conta
do trabalho, mas por precaução, me encontrava em total isolamento desde o dia
7.
No dia 12 as dores nas costas, coluna e lombar deram
trabalho. A febre nada de ceder, nem meio grau. Os 38,5 oC se
tornaram o meu novo patamar basal. O apetite diminuiu drasticamente e comecei a
enjoar. Em nenhum momento cheguei a perder olfato ou paladar. No dia 13, chegam
os resultados de glicemia alta, resultado dos corticoides injetados, coagulação
boa e hemograma razoavelmente normal. Ah, e o teste do COVID-19 positivou.
Alívio, porque aí já sabia o que estaria tratando. Mas naquela noite, acordei 5
horas da manhã, numa imensa agitação, tomei um banho, comecei a andar no quarto
de um lado para outro, senti uma angústia extrema, vontade de morrer. Estava
diante de uma crise de ansiedade. Começou a coçar o nariz por dentro e os
pensamentos aceleraram a mil. Pensei em sair de casa para correr, porque
precisava aliviar aquilo. Felizmente tenho alguns conhecimentos sobre essas
crises e consegui aplicar um protocolo para me colocar no aqui-e-agora. E em
seguida, depois de tomar meio comprimido de rivotril, aos poucos me acalmei e
dormi. Foi um desespero só.
O resultado da tomografia, que peguei no dia 14, indicava
25% de comprometimento pulmonar, o que certamente estava pior nos dias
seguintes, que já dormia sentado por não conseguir respirar bem, embora o
oxímetro indicasse sempre 94 ou 95. Pneumonia diagnosticada.
Aí entra o fator social da saúde biopsicossocial. Pessoas pulam
do bueiro com toda sorte de indicação, determinação, ameaça (depois não diga
que não avisei, hein?), conselho e, por exceção, apoio. A maioria que te provar
que ela não te contaminou, ou busca aplacar uma sede insaciável de saber cada
detalhe, 99% motivada por um composto de curiosidade com sadismo, claro, cuidadosamente
disfarçada de um discurso de cuidado e apreço. Tais pessoas não buscam
verdadeiramente prestar apoio, mas apenas aplacar a própria ânsia pela
autopreservação, em outras palavras, como maximizar as chances delas, caso se
contaminem. Ressalto que isso não se aplica a todas as pessoas, mas a uma parte
delas que, infelizmente, mesmo que minoria, afetam negativamente o emocional do
adoecido.
Nesse período de adoecimento, tendemos a nos comunicar menos
com as pessoas, porque o abatimento nos retrai e a energia vai se esvaindo aos
poucos, como a areia que escorre entre os dedos no punho fechado. Os dias
seguidos de febre que não baixavam já traziam uma preocupação adicional.
Respirar fundo era impossível, porque resultava em dor e mais tosse. Esse
afastamento de tudo e de todos me fez constatar algumas coisas. Uma delas é que
eu procurava muito mais algumas pessoas do que elas a mim.
Às vezes acontece de termos valor e apreço por pessoas sem o
mesmo grau de reciprocidade, procuramos, telefonamos, mandamos constantemente
mensagens, mas se deixarmos de fazer isso, a relação desaparece como se nunca
tivesse acontecido. Enfim, não é culpa dessas outras pessoas, porque elas estão
sendo espontâneas e honestas consigo mesmas, no entanto, apenas estão expressando,
pela omissão, que a importância que temos em suas vidas não é assim, tão
significativa quando supúnhamos. Interessante que se você procurar essas
pessoas uns meses depois, ou encontrá-las num mercado no setor de laticínios,
vai ouvir algum tipo de expressão como “você sumiu! nunca mais deu
notícias...”.
É claro que há honrosas exceções a essa constatação. Há
pessoas que mesmo sem falarmos por anos, se elas imaginassem um quadro
dramático se instalando na sua vida, imediatamente não mediriam esforços para
oferecer o que estivesse a seu alcance. Por isso me refiro a outro tipo de
contato, de relacionamento, falo daquelas pessoas que toda semana fazemos
contato, damos um alô, contamos um pouco de nós e perguntamos como vão. Essas
pessoas, quando não notam a nossa ausência, expressam uma autêntica indiferença
afetiva. Para alguns, uma constatação um tanto dolorida, mas o mundo também é
feito de frustrações, de doações unilaterais que acreditamos estarmos sendo
correspondidos, golpes e trapaças emocionais.
Ter amigo já é difícil e conservar amizade é trabalhoso. Ser
amigo às vezes é um saco. É ver o amigo fazendo burrada e ter que aturar, é dar
bronca, é concordar, discordar, se importar, receber crítica e até uma e outra
malcriação. Mas amigo não se ausenta, pelo contrário: ele estranha a ausência.
Enfim, uma amizade é como uma flor, que precisa ser regada e cuidada. Não é como
uma suculenta que se adaptou a viver confortavelmente com seus espinhos no
deserto.
Família é um caso a parte. Se você encrava uma unha pode
deflagrar uma crise sem precedentes no grupo familiar de whatsapp. Em minutos
brotam orações, receitas, indicações médicas e de benzedeiras, avisos dos
riscos de infecção grave, chás milagrosos e constantes monitoramentos. Mas numa
situação de maior gravidade, a família se preocupa ainda mais seriamente e, às
vezes, até quem está um pouco afastado, se reaproxima. E há quem se expresse emitindo
duplo sentido no modo de amar e de importar: o jeito de cuidar é culpar você
por estar nessa situação, te advertir do que deveria ter feito, como se tal
constatação tivesse alguma utilidade.
E as investidas sobre o tratamento precoce? Eu sou do tipo
mais acadêmico, cauteloso com pesquisas que possuem correlação alta e incerta
relação de causalidade. Recebi conjuntos de pérolas que determinavam tomar um
apanhado de medicações que, reconheço, até possuem efeitos positivos, mas que
no meu caso, segundo os médicos, poderia ter me custado uma hepatite
medicamentosa, dadas as particularidades da minha condição. Quando informava
que optei por não fazer uso da ivermectina ou hidroxicloroquina, em decisão
tomada junto com o médico, era enaltecido por alguns e absolutamente execrado
por outros. Falta de empatia? Os mais sensatos defensores de um ou outro
tratamento, apenas apresentavam sua posição, num gesto de amorosidade, mas de
respeito incondicional à minha escolha, afinal, até prova em contrário, eu
ainda era dono do meu fígado e dos meus rins.
Frequentemente as “orientações” vinham acompanhadas das
advertências ao pensamento dissonante com expressões a exemplo de “não siga os
negacionistas!”, “mais um médico que não se atualiza!”, “vai deixar a carga
viral subir?”, “leia os estudos!” e por aí vai. Nessa hora parece que todo o
mundo fez doutorado, embora poucos saberiam explicar o que seria uma
metanálise. Ensaio clínico randomizado duplo-cego já seria demais. Quem tem
sagacidade de ameaçar pessoas adoentadas e culpá-las pelo agravamento de seus
quadros em razão de sua inépcia de aderir a esse ou a aquele tratamento deveria
acompanhar seus julgamentos de uma declaração assinada disponibilizando do
próprio fígado ou rim, caso necessário. Muito cômodo tomar decisões com a saúde
alheia, sem responsabilidade profissional, por ter lido um ou outro artigo de
internet. Apenas para constar, o médico que me atendeu por primeiro prescrevia
hidroxicloroquina e ivermectina em algumas situações para alguns pacientes, mas
sugeriu que não seria adequado para mim.
Mais uma vez ressalto que o tratamento precoce pode sim ter
eficácia demonstrada, mas eu, pessoalmente, não me senti confiante e seguro
para seguir nessa direção e preferi que os médicos conduzissem as questões de
medicina relativas à minha saúde. Posso dizer que o elemento social me
prejudicou mais do que ajudou pelas pressões. Foi como um cabo-de-guerra em que
a minha saúde era disputada como um troféu para egos frustrados. Se eu não faço
o que dizem, teria sido a sorte que me ajudou. Se piorasse, seria porque não
fiz o que me recomendaram e se tivesse feito, teria me curado antes. Ah, e sem
falar nas sequelas que teriam sido evitadas se tivesse aderido ao tratamento defendido.
Pelo que fui informado, se eu tivesse sobrecarregado meus
órgãos antes com medicações diversas, com os agravantes concomitantes que
aconteceram especificamente no meu caso, teria sido uma escolha potencialmente
catastrófica. Sei que muitos que recomendam algo é para contribuir com a
melhora, no entanto, seu eu quero entender de fermentação de pães, prefiro me
instruir com o padeiro, ainda que eu tenha um bom mecânico.
Enfim, voltando ao diário: no dia 14 iniciei um segundo antibiótico, mais potente, sem interromper o primeiro. O médico foi bastante atencioso e, dada que sua especialidade era otorrinolaringologia, recomendou que eu consultasse um pneumologista. A febre não cedia com dipirona ou paracetamol, permanecia no patamar mínimo de 38,5 oC, com alguns momentos preocupantes que batiam os 40oC. Quando chegava nesse ponto, colocava panos úmidos na testa. Isso dava um pouco mais de conforto. Ele disse que teria que baixar nessa nova associação.
Cada noite uma surpresa nova. Sempre durante o dia parecia
tudo estar na mesma, tirando a disposição que diminuía e a fraqueza e tontura
que aumentavam. Até então fui perdendo o apetite e algum peso. Naquele primeiro
dia de um novo antibiótico associado, à noite tomei uma medicação para enjoo. Inocente
medicação. Em menos de um minuto, mesmo deitado, meu coração foi a 150. Ali
achei que tinha alguma coisa muito errada. Mas o estado de confusão foi tamanho
que não tomei outra decisão a não ser tomar banho, tentar respirar e me
acalmar. O que eu tive foi uma perigosa interação medicamentosa que poderia ter
sido fatal. E para constar, o enjoo não passou. Tomei um rivotril e uma hora
depois, dormi.
Agendei o pneumologista. No dia 15 notei uma piora geral, mas
a febre finalmente começou a ceder. E no dia 16, a consulta ocorreu e o médico,
com excelente atendimento e dedicação, adicionou mais duas medicações, uma
delas, um corticoide. Nesse momento, o comprometimento estimado dos pulmões superava os 50%, devido à associação da asma às pneumonias viral e bacteriana. A meu favor estava o tratamento fármaco que já contava com alguns dias de atenção. Num certo momento, constatei que eu deveria ter cursado administração de medicamentos para
controlar tudo aquilo que estava tomando. O pneumologista comentou que meu caso era
considerado moderado para grave e que os próximos quatro dias seriam decisivos.
Meu comprometimento pulmonar já devia estar em 50%, mas como a oxigenação
estava sob controle, recomendou que permanecesse em casa e apenas se baixasse a
92 fosse ao hospital. Revelou que isso poderia ocorrer, mesmo com alguma
melhora até esse dia, portanto, atenção e cuidados deveriam permanecer. A oxigenação nesse e nos dias seguintes ficava quase o tempo todo em 92, às vezes ficava em 91, mas como era por menos de cinco segundos, eu aplicava aquela regra de que menos de cinco segundos não conta. É o mesmo princípio de quando cai uma comida no chão e você come em menos de cinco segundos e finge que nesse tempo, o pão com manteiga não se contamina. Bom se fosse verdade, mas é uma mentira conveniente, um autoengano que vem a calhar. O receio de internação é de apanhar alguma pereba, ou mais uma, que não estava nos planos.
Naquele mesmo dia à noite, horas depois de tomar um novo
corticoide, veio uma sudorese de ensopar as roupas. Mais um banho, mais suor. O
médico me informou pelo whatsapp que não havia problema, mas para quem dorme, é
bastante desconfortável e nos deixa apreensivo estar numa cama literalmente
molhada e trocar a camiseta três vezes durante o sono por estar encharcada.
No dia 17, acordei com uma sensação levemente melhor, apenas
uma dor de cabeça um pouco chata, mas de modo geral, uma sensação de respirar
melhor. A dor nos pulmões estava mais leve e acho que isso se deve também ao
corticoide e aos antibióticos que fazem efeito cumulativo, além da medicação
para asma, que era um pozinho de aspirar. No dia 18 tive uma noite um pouco
agitada, acordando às 5h da manhã, dessa vez por causa de uma azia. Ainda que
tenha tomado os medicamentos com refeições, o estômago já começou a reclamar. E
nesse dia, a sensação daquela exaustão, que era esperada, finalmente veio.
Pequenos movimentos, como subir uma escada, já promovem um total exaurimento do
corpo. Talvez esse abatimento seja o resultado de uma ressaca medicamentosa
somada aos esforços do organismo em combater a moléstia, assim como os dias de
febre alta consecutivos. A espera pela melhora também estressa, assim como as
noites mal dormidas. Mesmo diante de todo esse cenário desfavorável, consigo
perceber que, de modo geral, experimento uma sensação de melhora, pois as dores
no pulmão estão cada vez menores. Não estou tomando analgésicos e já começo a
pensar mais no futuro do que no presente.
Enfim, no dia 19 tudo leva a crer que o pior já passou,
embora a oxigenação permaneça entre 92 e 94. O médico alertou que não se pode
subestimar essa doença, porque ela pode dar uma melhora e, em seguida, um
mergulho súbito de piora que leva à hospitalização, por isso o monitoramento
permanece sob atenção, em especial o oxímetro. A vontade de escrever surgiu num
dos momentos de salto de energia que vieram, durando algumas horas, sempre
durante o dia. Quando a noite se aproximava, sempre uma surpresa de piora se
anunciava. Isso foi realmente terrível. Com 20 dias do início do contato
inicial com o vírus, posso afirmar que estou superando a doença, embora a
alergia tenha votado com tudo após terminar os corticoides e tenho acordado por
volta das 5 horas da manhã com coceiras intensas nas pernas abaixo dos joelhos,
onde havia sido picado há algumas semanas. E dá-lhe anti-histamínico. O que
segue agora é o acompanhamento do pneumologista e uma verificação cardíaca. Os
médicos, ao testarem o dímero-d, sugeriram que eu não fizesse uso de
anticoagulantes, pois há um risco de hemorragia interna.
Duas semanas depois dos sintomas abrandarem, fiz uma nova consulta com o pneumologista e exames. De acordo com os resultados, minha capacidade pulmonar foi outro fator que me ajudou muito. Tenho desde pequeno uma leve projeção do tórax, conhecida como "peito de pombo". Essa variedade anatômica proporciona um volume de ar sensivelmente superior à média das pessoas com minha altura e peso e essa característica, que na infância provocou alguns episódios de bullying, hoje pode ter sido decisiva para conseguir manter a oxigenação ainda na casa dos noventa. O médico me informou que estou tendo ótima recuperação e que oportunamente convém checar como está o coração e que nos próximos três meses ainda posso ter algumas dores e sintomas, como alteração de olfato e paladar, decorrentes do COVID19, mas afirmou que isso tudo voltará ao normal.
Uma das lições que aprendi com isso até aqui é o quanto o
atendimento humanizado dos profissionais contribui significativamente para a
esperança e para a recuperação do enfermo. O paciente sente o desconforto por
sua condição de debilidade e o lado emocional tem muita importância, porque aprendi
que a mente tem que ajudar o remédio. A mente é mais poderosa do que qualquer
fármaco. Pode atribuir a um placebo o poder da cura, assim como otimizar um
princípio ativo, potencializar os efeitos colaterais e até mesmo bloquear os
efeitos de medicações.
Aprendi também que há pessoas ávidas por verem suas teorias
que versam sobre o que é melhor para você prevaleçam a qualquer custo, mesmo
que seja pelo preço de te colocar numa fila de transplante hepático. Embora eu
possa afirmar que se isso viesse a ocorrer, provavelmente você ouviria dessas
pessoas que é um ingrato, que deveria agradecer, porque se não fosse por elas,
nem estaria mais por aqui para entrar em tal fila... Enfim, há quem coloque as
necessidades de estar neuroticamente sempre certo acima de qualquer coisa.
Por fim, não tenho elementos para me posicionar
conclusivamente sobre a eficácia tratamento precoce, mas tenho sim para dizer
que tomar essa decisão sem acompanhamento médico é algo bastante arriscado,
pois cada pessoa tem um organismo tem um histórico que reage de uma determinada
maneira e, como disse no começo, a medicina pode entender muito e cada vez mais
da doença, mas pouco conhece do paciente. Por isso é preciso saber distinguir
entre os profissionais tratadores de doenças e os cuidadores de pessoas. Merecem
aplausos, como já mencionei, os currículos construídos de formações dos
profissionais da saúde que contemplam um preparo para uma prática mais
humanizada, o que contribui para uma saúde biopsicossocial de melhor qualidade
e de melhores resultados.
Fernando Botto, doutor em educação.