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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

A melancia mais cara do mundo

Coluna Comportamento – Revista Figuras & Negócios – Angola – outubro de 2007



A MELANCIA MAIS CARA DO MUNDO

Relacção entre comerciantes e clientes tende a melhorar, pois ambos começaram a perceber os resultados positivos de uma relação ganha-ganha



Por Fernando Botto*



O angolano é possivelmente o povo mais cosmopolita do mundo. E esta formação multicultural faz do país uma verdadeira torre de Babel, com a diferença de haver intérpretes por todos os lados e um desejo comum a todos: aproveitar ao máximo o momento fértil para negócios que o país atravessa.

Seduzidos pelas incontáveis possibilidades de se abrir o próprio negócio, muitos empreendedores nacionais e estrangeiros arregaçam as mangas da camisola, respiram fundo e partem para a realização de seus projectos. Um contacto, uma conversa, um negócio. Outra conversa, outro contacto, outro negócio. Assim é Luanda: um centro nervoso de comércio que se desenvolve numa velocidade que é difícil de acompanhar. Não tem hora nem lugar. Ali mesmo, na calçada, entre o miúdo que engraxa os sapatos e as zungueiras que oferecem os saborosos abacaxis de Cabinda e os deliciosos morangos do Huambo que tudo acontece. Trata-se de uma curiosa economia a céu aberto que movimenta inúmeros pequenos negócios que podem render desde o almoço daquele dia até a motorizada que o miúdo sempre sonhou.

“E lá estão as duas realidades tão próximas e tão distantes: executivos e vendedores do asfalto. Duas espécies de profissionais que possuem pouco tempo para expor as suas idéias, convencer e criar entusiasmo em seus clientes para concluir a negociação e assim, garantir o funge do dia seguinte.”



Pouca habilidade na hora da venda pode fazer um cliente escapar e, no bolso dele, o almoço do vendedor informal. E nas ruas de Luanda é fácil notar a energia desses incansáveis vendedores do asfalto, canalizada para a possibilidade de se faturar alguns kwanzas no trânsito engarrafado. Este cliente, que compra por impulso, pode a qualquer momento ser obrigado a cancelar a negociação, por conta da bicha voltar a andar. E assim, adeus cliente. Curioso é o fato de que este cliente está de passagem, sempre atrasado. Em Luanda, o meio de locomoção mais rápido que existe ainda são as havaianas. E lá estão as duas realidades tão próximas e tão distantes: executivos e vendedores do asfalto. Duas espécies de profissionais que possuem pouco tempo para expor as suas idéias, convencer e criar entusiasmo em seus clientes para concluir a negociação e assim, garantir o funge do dia seguinte. Todos estão sujeitos às mesmas regras, de uma forma ou de outra.



“Tal facto poderia constar no livro dos recordes, como a melancia mais cara do mundo, ao lado da zungueira mais contente de Angola.”



Inevitavelmente, os negócios em Angola têm uma supervalorização do momento presente. Vale tudo para fechar um negócio naquele momento. O preço inicial de uma inofensiva melancia que passeia na cabeça de uma zungueira varia conforme os bigodes do freguês. Assim, uma ingênua senhora estrangeira surpreendeu-se por conseguir comprar uma melancia pequenina por cinco dólares. O marido, desconfiado, indagou quantos kwanzas custou a tal da fruta. Juntos, descobriram que quatro mil kwanzas eram cinquenta dólares, ao invés dos cinco dólares mencionados pela esposa. Tal facto poderia constar no livro dos recordes, como a melancia mais cara do mundo, ao lado da zungueira mais contente de Angola.

Às vezes basta atravessar a rua para pagar menos. E o angolano que se preza dá valor ao dinheiro. Atento a isso, o comércio local tem evoluído a passos largos, tanto na variedade quanto na qualidade dos serviços e dos atendimentos. O facto é que a época dourada de inexistência de vizinhos concorrentes já mostra pontos de ferrugem, o que tem obrigado as empresas a oferecer “algo mais” do que simplesmente disponibilizar seus produtos na loja. E os clientes estão a ficar cada vez mais exigentes.

No Brasil, antes do Código de Defesa do Consumidor (1990), quem comprava qualquer coisa estragada não tinha a quem recorrer e, em 95% dos casos, arcava com o prejuízo do infeliz “sorteio”. Hoje, com mais de quinze anos daquela legislação, existem multas aplicadas a companhias aéreas que não foram claras em suas comunicações de atraso aos clientes no valor equivalente a quinhentos mil dólares; órgãos de empresas do sector eléctrico destinados a calcular indemnizações a clientes que tiveram electrodomésticos queimados por variação da energia; devolução de valores pagos em produtos defeituosos e tantos outros exemplos que são manifestações de respeito à cidadania e à democracia.

Angola está a presenciar uma fase incipiente desta transformação da postura dos comerciantes. Os negócios em que uma parte lucra muito, por se aproveitar da ingenuidade da outra está a dar lugar a uma postura mais ética e comprometida com o relacionamento longo, de parceria, em que o comerciante lucra menos e o cliente tem mais vantagens e benefícios, tais como crédito, garantia, manutenção especializada, atendimento personalizado e outras formas de cativá-lo em troca da fidelidade. Manter um cliente é muito mais barato do que captar um novo. E essa filosofia de negócio tende a ganhar cada vez mais adeptos nas ruas de Luanda. O bom atendimento frutifica no boca a boca e pode resultar no aumento de clientela. Por outro lado, o cliente insatisfeito faz questão de dividir a sua ira com mais dez ou quinze conhecidos.

“enquanto os concorrentes olhavam para o cliente como uma venda de meio dólar, ele via esse mesmo cliente como uma venda de duzentos e sessenta dólares, [...] nos próximos cinco anos”

Um pipoqueiro que ganhou muito dinheiro, indagado sobre qual era o segredo de seu sucesso, revelou que a maneira que ele enxergava seus clientes fazia a diferença: enquanto os concorrentes olhavam para o cliente como uma venda de meio dólar, ele via esse mesmo cliente como uma venda de duzentos e sessenta dólares, que esta pessoa gastaria se o visitasse, acompanhado, uma vez por semana nos próximos cinco anos. Assim, aquele criativo profissional se transformou num disputado e muito bem remunerado pipoqueiro e palestrante motivacional. Esta é a escolha de se valorizar o futuro, desafio a ser construído por todos, seja no comércio, na previdência social, no planeamento familiar, no investimento em educação ou em qualquer outra escolha de sofrer um pequeno sacrifício no presente em nome de um benefício a ser colhido no amanhã.

Enquanto isso, aquela ingênua senhora compradora da inusitada melancia se tornou uma crítica contumaz das frutinhas vendidas no asfalto. Aliás, as melancias não têm nada a ver com isso. E a zungueira, mulher forte, destemida, com um filho nas costas e o outro no ventre, não hesita em sair de casa muito cedo na esperança de fazer bons negócios nas ruas de Luanda. E por sinal, dá show em muitos executivos, em matéria de negócios.



*Fernando Botto é director executivo da BBS Escola Internacional de Negócios de Angola, escritor, mestre em Educação, especialista em Negócios Internacionais e em Saúde Mental, Psicopatologia e Psicanálise.

fernandokwz@gmail.com

3 comentários:

Anônimo disse...

É incrível como essas zungueiras são corajosas e valentes. Esse nome é tão lindo e tem uma sonoridade que é um barato!

Anônimo disse...

E a melancia tava boa pelo menos?

Anônimo disse...

Muito giro!

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