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quinta-feira, 8 de maio de 2008

Desejo de poder e complexo de inferioridade

Quando o uso desproporcional do poder esconde o sentimento de inferioridade - Fernando Botto



Coluna Comportamento
Revista Figuras e Negócios abr/2008



A infância é uma época da vida pela qual todos passamos. Alguns permanecem nela. Enquanto crianças, bem ou mal, aprendemos a lidar com os momentos de dificuldade pelos meios que dispomos: as emoções. Nos primeiros meses de vida, em que a linguagem é apenas o choro, ele é suficiente para chamar a atenção para que alguma coisa não vai bem.

As mamães, seres encantados para os bebês, aprendem rápido a distinguir e decifrar os significados das “linguagens do choro”. Afinal, quando o bebê chora de um jeito é porque tem sono; de outro é porque tem fome e de uma outra maneira, é porque fez presentinho na fraldinha. E assim, mãe e filho passam a ter uma linguagem única, que os qualifica como um ser único durante vários meses, pelo menos do ponto de vista do bebê. Este tema é um assunto delicadíssimo, tratado com propriedade pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856 – 1939), que estabeleceu as bases para que Carl Jung (1975 – 1961) inaugurasse a expressão “complexo de Édipo”.

Segundo a mitologia grega, Édipo foi um personagem que matou o pai para casar-se com a própria mãe. O termo “complexo”, por sua vez, é utilizado para definir um conjunto de conteúdos psíquicos que não são conhecidos conscientemente pelo sujeito, mas influenciam o seu comportamento. O complexo de Édipo faz referência, portanto, a um momento em que deve ocorrer o rompimento do vínculo afetivo entre a criança e sua mãe (ou quem cumpra a função tipicamente materna). Quando esse vínculo não é rompido, perde-se a oportunidade para tal acontecimento, o que resulta em formações de personalidade doentias, segundo a psicanálise. Nesta fase da infância, nos primeiros anos de vida, é que estão as raízes de algumas psicopatologias que podem ou não se manifestar ao longo da vida.

Na infância também percebemos que há pais neuróticos, que não podem ver os filhos a chorar e se submetem a qualquer desejo que eles exprimem. Assim, essas crianças aprendem que sempre que quiserem algo, basta fazer escândalo. A dificuldade dos pais em dizerem “não” às exigências descontroladas das crianças contribuem para cultivar um adulto preparado ter reações de descontrole emocional ao menor sinal de ameaça ao seu conforto ou bem-estar.
Da mesma forma, pais que são excessivamente rígidos e dizem “não” desprovido da explicação, fundamentada apenas no “não, porquê não”, justificam a decisão no argumento do poder. A criança, sem compreender as razões da negativa, não questionam pela ameaça da punição e aprendem a agir da mesma maneira quando ocupam posições de poder, em relação aos que se situam em patamar inferior.

Tais raciocínios levam a crer que boa parte dos comportamentos na vida adulta decorrem de experiências de aprendizagem havidas no passado, sobretudo no seio da família. Quem já teve um chefe que usa do poder para obter o que deseja já deve ter descoberto que fogo não se combate com fogo. Disputar poder com ameaças ou comportamentos que expressem descontentamento criam as condições ideais para o chefe perseguir seu subordinado. Mas o que move alguém a agir dessa maneira? Necessidade de demonstrar poder é uma hipótese. E, normalmente isso está a expressar o tal do complexo de inferioridade.

É comum perceber sentimentos de inveja, ciúmes e demonstrações desproporcionais de poder motivados pelo sentimento de inferioridade. Uma anedota expressa a disputa pelo poder na historinha a seguir, em que dois sujeitos disputam o poder, representado pela vaga no estacionamento do supermercado:
- Ei! Essa vaga é minha! Eu estava a esperar pela moça que saía dela.
- Sinto muito, fui mais rápido que você. O mundo é dos espertos!
Neste momento o sujeito que perdeu a vaga para o espertinho, avançou com o seu carro esportivo uns dez metros e veio de retaguarda, com toda a velocidade em direcção ao simplório veículo do oponente. Abaixou o vidro eléctrico e respondeu:
- Discordo. O mundo é dos ricos!

Disputas como uma vaga no estacionamento ou o lugar na bicha do mercado são motivos suficientes para provocar uma disputa de ego por uma prova de quem tem a razão, de quem tem valor, de quem tem o poder. Até mesmo nos relacionamentos afetivos ou entre pais e filhos se pode perceber que há relações de poder muito bem definidas. Desde o choro do bebê, que demonstra poder sobre a mãe que corre desesperadamente ao seu encontro; ou a recusa da esposa em se entregar para o marido no momento do prazer; até o olhar triste da filha para o pai que lhe nega o direito de ir ao cinema estão presentes complexos, disputas e conflitos que resolvidos ou não, balizam as próximas experiências que estas relações terão. Assim, a esposa pode fingir o prazer; filha pode aprender a mentir que vai à casa da “amiga” e o bebê... pobre bebê. Esse só depende de como os pais agirão em função do seu choro.

Pessoas que cresceram sem a sensação de serem amadas ou, de terem valor, podem armazenar uma sensação de que devem a todo o tempo provar que possuem valor, ou seja, possuem poder e assim, movidas por um complexo de inferioridade, podem se tornar extremamente destrutivas, ao tentar desmerecer o sucesso alheio, a desmerecer conquistas dos semelhantes e ao minar a imagem daqueles que julgam não serem merecedores do destino que conquistaram.

Há como solucionar essas questões de relacionamentos em que há uma sanguinária disputa pelo poder? A solução sem si é pouco provável, mas através da comunicação aberta, o que nem sempre é fácil, pode-se aprender a administrar as situações de conflito de modo que elas se tornem suportáveis. De outra forma, a relação tende a desaparecer, para que uma das personalidades não corra o risco de se anular em nome da manutenção de algo que representa uma espécie de “prisão sem muros”.

Dez regras das pessoas que buscam o poder a qualquer preço*:
1- Não ofusque o brilho do chefe
2- Não confie em seus colegas de trabalho
3- Crie sua reputação pela aparência, não pelo conteúdo
4- Faça-se presente para seus superiores
5- Vença pelas actitudes e não discuta
6- Evite relacionar-se com pessoas com menos poder que você
7- Crie dependência das pessoas por você
8- Pense como desejar, mas comporte-se como os outros
9- Mantenha a todos num estado de tensão permanente
10- Não pareça perfeito demais
*Adaptado da obra As 48 leis do poder, de Robert Greene.

OBS: Artigo publicado na coluna Comportamento da revista Figuras & Negócios de Angola, edição de abril de 2008.

Uma análise de discurso político: ciladas e armadilhas

Fernando Botto

Este texto foi escrito para aproveitar um fragmento de discurso feito no meio político como um subsídio rico que ilustra as armadilhas que existem nos questionamentos e posicionamentos que são a matéria-prima de verdadeiras pérolas da comunicação.

A intenção da análise não é a de emitir juízo de valor sobre uma ou outra pessoa, mas de propor uma reflexão sobre a temática, que traz um rico conteúdo para se discutir filosofia, ética e cidadania.

No dia 7 de maio de 2008, uma ministra de governo, na qualidade de depoente, se apresentou para uma comissão do senado para esclarecer questões relativas a obras de um determinado programa.

Em meio a perguntas, afirmações e argumentações capciosas e sub-reptícias os debates tomaram um rumo complicado logo na sua abertura, como num delicado jogo de xadrez, em que o movimento de um inocente peão poderia custar a cabeça do rei – ou da rainha.

Numa ousada manifestação, tomada de sentimentos visíveis e audíveis, a ministra depoente, provocada pelo discurso de um senador, sacrificou uma peça importante do jogo, quando manifestou o seguinte: “Me orgulho de ter mentido [...] Aguentar tortura é dificílimo”.

Os motivos que levaram a ministra a mentir, no contexto de tortura, são justos. A conduta de verbalizar o “orgulho de ter mentido”, penso que foi inadequado. Verdade e mentira são conceitos diametralmente opostos e creio que a intenção foi manifestar “a ausência de arrependimento” por parte da ministra por ter mentido sob tortura. Não a “satisfação por ter mentido” naquelas circunstâncias.

O dicionário Globo conceitua orgulho como “Elevado conceito que alguém faz de si mesmo; excesso de amor próprio; soberba; vaidade [...]”. Orgulhar-se da mentira seria o mesmo que gabar-se da grandiosa capacidade de fingir, desvirtuar, ocultar ou falsear a verdade? Este pequeno fragmento proferido permite concluir, por ilação, que a depoente, movida por sentimentos arrancados com a astúcia de experientes parlamentares, preferiu enaltecer a própria capacidade de conseguir mentir numa sessão de tortura – o que qualquer pessoa de razoável inteligência faria -, ao invés de atribuir a um grupo de pessoas severamente afetadas por psicopatologias perversas a culpa de obrigar, uma pretensa defensora da verdade a usar da mentira como único meio de defesa, de uma legítima defesa, frise-se.
Ao invés de manifestar o orgulho por mentir, parece ser uma opção de discurso mais interessante dizer “Me envergonho por ter mentido. [...] Agüentar tortura é dificílimo”.

Entre a verdade e a mentira, numa situação de ausência de tortura, sem pressupostos que justifiquem uma permissão ética para mentir, a depoente escolheria a mentira? Orgulhar-se de mentir no contexto de tortura pode ser entendido como “apesar de ter estar sob uma pressão física e psicológica insuportável, consegui, mesmo assim, mentir e - me orgulho disso.”

Não era esse o caso, penso. A depoente quis manifestar o oposto, mas foi traída no jogo de palavras, na quase-lógica aristotélica, muito bem articulada pelo astuto senador, num exercício cruel do argumentum ad persona, mencionado por Schoppenhauer como uma estratagema de alto poder destrutivo.

E a pergunta imediata seria: como sair dessa situação sem deturpar o significado da verdade e da mentira e se posicionar diante da agressão de ser provocada a falar sobre o tema?

Uma possibilidade seria recolocar o trem nos trilhos. Esta é uma sugestão de resposta ao senador provocativo: “de fato, senador, manifestei naquela notícia que me orgulho de ter mentido, mas na verdade eu não sinto orgulho de nada o que aconteceu naquele dia. Pelo contrário. Sinto-me envergonhada por ter mentido, pois sempre preservei a verdade como um valor irretratável na minha vida e, com a mesma permissão que o nobre senador deu a si mesmo de tocar num assunto tão íntimo, de uma violação moral tão intensa que sofri, me permito dizer que invocar essas minhas memórias é uma maneira condizente com a conduta parlamentar, de tentar desestabilizar a qualquer custo o equilíbrio emocional e psicológico de quem ocupa a minha posição, de depoente. A sua postura, senador, é tão covarde e reprovável quanto a daquelas pobres almas que me subjulgaram e me obrigaram a abrir mão de um valor muito importante para mim, que era dizer a verdade, mas assim agi, com vergonha de admitir, porque preferi preservar um valor muito maior, que era a minha própria vida. Senador, o motivo do meu depoimento aqui é falar sobre as obras de um determinado programa, pois esta comissão do senado é a de Infra-Estrutura, vale lembrar e, por esta razão, não responderei a questões que tenham por objetivo desvirtuar o rumo dos bons trabalhos que são desenvolvidos aqui na casa, com competência e seriedade. Se a casa me convocar para tratar desse outro tema especificamente, estarei pronta para defender os meus valores e minhas atitudes. Quero dizer, para concluir, senador, que eu me envergonho de ter que dirigir essas palavras em vão a Vossa Excelência pois, para compreendê-las, na essência, seria desejável que compartilhássemos dos mesmos valores.”

Reconheço que é muito mais confortável analisar um discurso escrito e elaborar uma possibilidade de resposta do que responder a uma indagação no calor do momento. Por isso ressalto que a intenção desta reflexão é mostrar como a comunicação, no contexto político, é uma arte complexa e interessante, ao mesmo tempo em que se mostra desafiadora e perigosa.

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