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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Uma política Público-Privada Educacional

O site risadaria .com.br merece aplausos. É uma das raríssimas iniciativas voltadas para a descoberta de novos talentos no humor brasileiro. Além de organizar um grande evento em São Paulo, premiará os cinco melhores trabalhos das áreas de vídeos, fotografias e textos de humor.

O ato de incentivar desde cedo o humor me faz lembrar uma passagem dos meus tempos de colégio.

Desde pequeno, já era um frenético apreciador do humor que era revelado pela elegância, bem como dos trocadilhos e das ironias presentes nas entrelinhas e nas reticências da comunicação oral e escrita.

Lá pela sétima ou oitava série, senti que havia chegado a minha vez e ousei escrever uma redação com humor. Uma ideia quase brilhante. Infelizmente, fui avaliado por um professor que não acordou muito bem no dia em que corrigiu o meu texto. "Piada de salão!!" -escreveu como observação, acompanhada de uma sinistra nota 4.

Sei que a piada que eu coloquei na redação não era lá aquelas coisas, mas para quem lia apenas os Gracilianos Ramos da vida e outras angústias literárias, hoje interpreto o feito como um verdadeiro milagre.

Sou muito mais grato pelo meu apreço ao humor à revista MAD do que ao elenco de sumidades literárias que fui obrigado a ler durante os estudos colegiais. O hábito da leitura entrou na minha cabeça como sinônimo de castigo.

As ironias de Machado de Assis, única forma de humor academicamente correto naquele tempo, equivalia para mim a um gracejo erudita quase sem graça. Sendo sincero, achava aquele tipo de humor uma desgraça. No século XIX aquilo devia ser super engraçado, mas convenhamos, o Machado perdeu o fio quando foi apresentado a um bando de adolescentes que assistiam aos Trapalhões, Casseta & Planeta e outras formas de humor que continham elementos capazes de estabelecer maior identidade com seus públicos, sem contar que a televisão levava vantagem sobre qualquer tipo de texto escrito.

Hoje, depois de saber exatamente o tipo de humor que me faz rir, admito: a cada dia mais aprecio aqueles titãs de outrora. Aprendi a saborear um bom conto de Machado, de Nelson Rodrigues, de Rubem Fonseca e até um bom romance de Clarice Lispector. O problema foi de inadequação daqueles títulos na época em que me foram apresentados. Ao invés de ser seduzido pela leitura na sétima série, a sensação é de ter sido estuprado pelas descabidas pilhas de livros que me obrigaram a comprar, resumir e fingir adorar para perpetuar o nosso modelo de educação digno da Idade Média.

Incentivar o humor é semear a criatividade. Ensinar a adequação do humor, no seu tempo, espaço e forma é fundamental para que a espontaneidade aflore de maneira saudável em cada estudante. Desenvolver o gosto pela leitura nos estudantes inseridos no processo educacional formal é uma tarefa que exige criatividade nas políticas públicas educacionais e de cidadania. O Poder Público e a esmagadora maioria dos educadores ainda não conseguiram dar ao humor a dimensão e a importância de que ele é merecedor. A educação brasileira tem dificuldade de aprender com os próprios erros. Tratamos os estudantes e a realidade deles como se fossem a mesma coisa, do sertão nordestino às grandes capitais. Depositamos conhecimentos nos alunos, como se eles fossem recipientes, ao invés de extrair deles a educação para dar algum sentido àquilo que compõe as suas vidas. Saudoso Paulo Freire!

Inibir talentos por incapacidade de compreendê-los é uma prática excludente e discriminatória. O estudande que quer desenvolver o humor não merece a repressão, mas o incentivo para aprimorar e aperfeiçoar as suas habilidades, sejam elas para escrever, interpretar ou qualquer outra forma de expressão que criatividade permitir. "Piada de salão" é a deficiência do educador, incapaz de reconhecer o desejo de um aluno de aprender a fazer humor de qualidade. "Piada de salão" é a educação brasileira não saber ensinar as crianças e os adolescentes a construir a cidadania, relegando-a ao acaso. "Piada de salão" foi nunca ter havido na minha escola um evento sequer para prestigiar o humor.

Realmente, uma política público-privado educacional como esta promovida pela risadaria.com.br é algo que a Idade Média demorará para aprender, porque no Brasil, além dos alunos, às vezes a própria educação se esquece de fazer a lição de casa.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Cemitério de navios em Angola



No link abaixo pode ser lido um artigo ilustrado com fotografias de um lugar exótico e magnífico chamado praia de Santiago, localizada nas proximidades de Luanda.

http://obviousmag.org/archives/2010/02/cemiterio_de_navios_em_angola.html

Pretendo visitar novamente o Santiago em breve e fazer novas fotografias de lá. Confesso que a energia do lugar dificulta a concentração... Às vezes me pego pensando se aquilo realmente existe. Considero a África linda, riquíssima e misteriosa. Divulgar estas características é contribuição pessoal para diminuir a distância entre as pessoas.

Se ficarmos com a visão de mundo apenas daquilo que nos ensinaram na escola, fecharemos os olhos para conhecer lugares inusitados, diferentes culturas e pessoas encantadoras a ponto de nos flagrarmos, em algum momento diante disso tudo, e ter a audácia de questionar: será que isso realmente existe?

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Angola promulga a Constituição e faz história

Portugal em 1976, Brasil em 1988 e Angola em 2010 aprovaram as Constituições

Por Fernando Botto

No dia 4 de fevereiro de 1961, em Luanda, um grupo de homens e mulheres empunhou paus, pedras e catanas e partiu para a libertação de presos políticos que haviam sido capturados pela temida PIDE, polícia política portuguesa, por oferecerem risco às relações coloniais. Havia boatos dando conta de uma possível execução dos pretensos revolucionários, que estavam sendo mantidos na Casa de Reclusão e na cadeia de São Paulo.

A ação desencadeou uma onda de instabilidade colonial entre Portugal e outras colônias, notadamente Guiné-Bissau e Moçambique, antes chamadas pelos portugueses de “províncias ultramarinas”. As guerras das libertações coloniais consumiram muitas vidas e vultuosos recursos portugueses, imbróglio que só teve desfecho com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974. A queda da ditadura herdada de Salazar ocorreu sem derramamento de sangue e, curiosamente, muitos militares foram vistos comemorando a vitória com cravos nas pontas de seus fuzis, em meio ao furor popular. Dois anos depois, estava aprovada a Constituição portuguesa.

Em Angola, a guerra colonial teve seu desfecho no dia 11 de novembro de 1975, data que marcou a tão sonhada independência. O Brasil manifestou um importante apoio por se apresentar como o primeiro país do mundo a reconhecer a soberania de Angola. A independência foi uma conquista heróica que não veio acompanhada da paz esperada pelos angolanos. A disputa pelo controle do país foi travada entre o MPLA, a FNLA e a UNITA. A guerra civil teve uma pequena trégua, quando a ONU tentou, ingloriamente, organizar eleições democráticas em 1992. Porém, sem a aceitação unânime do resultado, a guerra recomeçou e só teve fim com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi. Tal fato ensejou a assinatura imediata do protocolo de paz, em 2002.

Desde então, Angola apresentou crescimento da economia de dois dígitos, até 2008, além de passar a uma produção de petróleo digna de receber o importante convite para compor a poderosa OPEP. Em meio a essa súbita ascensão, permaneceram os desafios de reconstruir um país arrasado por mais de trinta anos de guerras. As eleições legislativas foram realizadas em 2008 e os deputados constituintes aprovaram a Constituição da República de Angola promulgada pelo presidente José Eduardo dos Santos no dia 5 de fevereiro de 2010.

O Brasil, independente desde 1822, teve sua última Constituição promulgada em 1988, marcando o início da nova República e soltando o heróico brado retumbante da democracia canarinha. Deixamos para trás a ditadura, consignamos na nossa Magna Carta os direitos fundamentais à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade como cláusula pétrea, “imexível” como dizia o ex-ministro Magri.

Chegou a vez de Angola viver esta fase, de comemorar os direitos consagrados numa Constituição escrita, debatida e aprovada, resultado da superação de um desgastante período opressivo vivido desde os primeiros golpes de catanas datados de 1961. Tanto o Brasil, em 1988, quanto Portugal, em 1976, experimentaram o gostinho de aprovar Constituições que marcaram transições históricas para a democracia, materializadas em legislações e políticas públicas subsequentes. O fim da luta armada angolana trouxe, além da paz, o embrião de uma nova fase de um país em reconstrução, que tem tudo para se consolidar como um efetivo Estado Democrático de Direito.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Amor de mãe



Foto por Fernando Botto, Luanda, Angola 2010.

Uma das histórias mais belas que presenciei em Angola foi há alguns anos, quando recebi uma psicóloga brasileira que faria algumas conferências em Luanda.

Como todos os hóspedes que conhecem a África, a professora ficou encantada com todas aquelas cenas de ruas tipicamente africanas: zungueiras, trajes coloridos, mães que carregavam seus bebês nas costas, artesanatos formidáveis e aquela multidão em toda parte. Aliás, é praticamente impossível não comprar algumas lembrancinhas sejam de madeira entalhada, quadros ou panos estampados.

No caso da professora, os panos estampados se tornaram uma obsessão. Entre um deslocamento e outro pela cidade, ela monitorava as ruas e calçadas em busca de uma vendedora ambulante dos tais panos. Para nosso alívio, no dia anterior à viagem de retorno dela ao Brasil, encontramos uma zungueira que carregava umas vinte e cinco variedades de de tecidos na cabeça. Sem tempo nem espaço para estacionar o carro, fizemos o convite para a vendedora apanhar uma carona enquanto fazia as suas vendas à faminta cliente. Eu, do banco da frente, acompanhava a negociação.

Ao observar com mais cuidado, percebi que a zungueira estava um pouco encurvada. Disse a ela para se acomodar melhor, para fazer a venda mais confortavelmente, afinal, a professora tinha muitas encomendas para a filha, para as irmãs, para as vizinhas, para as comadres e, se sobrasse algum espaço nas malas, para ela também.

A ambulante virou de lado, lentamente, desamarrou um pano cujo nó estava em cima do umbigo e, aos poucos, foi trazendo de trás do seu corpo um pequenino recém-nascido, para a surpresa de todos. A professora, uma pessoa de extrema sensibilidade, se emocionou e perguntou quantos anos tinha a mamãe, de feições muito jovens. A zungueira, com um sorriso meigo, disse que tinha dezenove anos.

Foi uma identificação instantânea. A professora tinha uma história muito parecida com a da zungueira, pois também havia se tornado mãe aos dezenove anos, e disse a ela que sabia pelo que ela estava passando, o quanto era difícil ser mãe aos dezenove anos, quanto sacrifício deveria ser para ela ter se tornado mãe com apenas dezenove anos e ter tanta responsabilidade tão cedo na vida. "Não é mesmo difícil ser mãe aos dezenove anos? " - perguntou a professora.

A menina, olhando para o filho com um profundo afeto, respondeu carinhosamente:
- Não. Ser mãe é lindo.

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