Quando o uso desproporcional do poder esconde o sentimento de inferioridade - Fernando Botto
Coluna Comportamento
Revista Figuras e Negócios abr/2008
A infância é uma época da vida pela qual todos passamos. Alguns permanecem nela. Enquanto crianças, bem ou mal, aprendemos a lidar com os momentos de dificuldade pelos meios que dispomos: as emoções. Nos primeiros meses de vida, em que a linguagem é apenas o choro, ele é suficiente para chamar a atenção para que alguma coisa não vai bem.
As mamães, seres encantados para os bebês, aprendem rápido a distinguir e decifrar os significados das “linguagens do choro”. Afinal, quando o bebê chora de um jeito é porque tem sono; de outro é porque tem fome e de uma outra maneira, é porque fez presentinho na fraldinha. E assim, mãe e filho passam a ter uma linguagem única, que os qualifica como um ser único durante vários meses, pelo menos do ponto de vista do bebê. Este tema é um assunto delicadíssimo, tratado com propriedade pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856 – 1939), que estabeleceu as bases para que Carl Jung (1975 – 1961) inaugurasse a expressão “complexo de Édipo”.
Segundo a mitologia grega, Édipo foi um personagem que matou o pai para casar-se com a própria mãe. O termo “complexo”, por sua vez, é utilizado para definir um conjunto de conteúdos psíquicos que não são conhecidos conscientemente pelo sujeito, mas influenciam o seu comportamento. O complexo de Édipo faz referência, portanto, a um momento em que deve ocorrer o rompimento do vínculo afetivo entre a criança e sua mãe (ou quem cumpra a função tipicamente materna). Quando esse vínculo não é rompido, perde-se a oportunidade para tal acontecimento, o que resulta em formações de personalidade doentias, segundo a psicanálise. Nesta fase da infância, nos primeiros anos de vida, é que estão as raízes de algumas psicopatologias que podem ou não se manifestar ao longo da vida.
Na infância também percebemos que há pais neuróticos, que não podem ver os filhos a chorar e se submetem a qualquer desejo que eles exprimem. Assim, essas crianças aprendem que sempre que quiserem algo, basta fazer escândalo. A dificuldade dos pais em dizerem “não” às exigências descontroladas das crianças contribuem para cultivar um adulto preparado ter reações de descontrole emocional ao menor sinal de ameaça ao seu conforto ou bem-estar.
Da mesma forma, pais que são excessivamente rígidos e dizem “não” desprovido da explicação, fundamentada apenas no “não, porquê não”, justificam a decisão no argumento do poder. A criança, sem compreender as razões da negativa, não questionam pela ameaça da punição e aprendem a agir da mesma maneira quando ocupam posições de poder, em relação aos que se situam em patamar inferior.
Tais raciocínios levam a crer que boa parte dos comportamentos na vida adulta decorrem de experiências de aprendizagem havidas no passado, sobretudo no seio da família. Quem já teve um chefe que usa do poder para obter o que deseja já deve ter descoberto que fogo não se combate com fogo. Disputar poder com ameaças ou comportamentos que expressem descontentamento criam as condições ideais para o chefe perseguir seu subordinado. Mas o que move alguém a agir dessa maneira? Necessidade de demonstrar poder é uma hipótese. E, normalmente isso está a expressar o tal do complexo de inferioridade.
É comum perceber sentimentos de inveja, ciúmes e demonstrações desproporcionais de poder motivados pelo sentimento de inferioridade. Uma anedota expressa a disputa pelo poder na historinha a seguir, em que dois sujeitos disputam o poder, representado pela vaga no estacionamento do supermercado:
- Ei! Essa vaga é minha! Eu estava a esperar pela moça que saía dela.
- Sinto muito, fui mais rápido que você. O mundo é dos espertos!
Neste momento o sujeito que perdeu a vaga para o espertinho, avançou com o seu carro esportivo uns dez metros e veio de retaguarda, com toda a velocidade em direcção ao simplório veículo do oponente. Abaixou o vidro eléctrico e respondeu:
- Discordo. O mundo é dos ricos!
Disputas como uma vaga no estacionamento ou o lugar na bicha do mercado são motivos suficientes para provocar uma disputa de ego por uma prova de quem tem a razão, de quem tem valor, de quem tem o poder. Até mesmo nos relacionamentos afetivos ou entre pais e filhos se pode perceber que há relações de poder muito bem definidas. Desde o choro do bebê, que demonstra poder sobre a mãe que corre desesperadamente ao seu encontro; ou a recusa da esposa em se entregar para o marido no momento do prazer; até o olhar triste da filha para o pai que lhe nega o direito de ir ao cinema estão presentes complexos, disputas e conflitos que resolvidos ou não, balizam as próximas experiências que estas relações terão. Assim, a esposa pode fingir o prazer; filha pode aprender a mentir que vai à casa da “amiga” e o bebê... pobre bebê. Esse só depende de como os pais agirão em função do seu choro.
Pessoas que cresceram sem a sensação de serem amadas ou, de terem valor, podem armazenar uma sensação de que devem a todo o tempo provar que possuem valor, ou seja, possuem poder e assim, movidas por um complexo de inferioridade, podem se tornar extremamente destrutivas, ao tentar desmerecer o sucesso alheio, a desmerecer conquistas dos semelhantes e ao minar a imagem daqueles que julgam não serem merecedores do destino que conquistaram.
Há como solucionar essas questões de relacionamentos em que há uma sanguinária disputa pelo poder? A solução sem si é pouco provável, mas através da comunicação aberta, o que nem sempre é fácil, pode-se aprender a administrar as situações de conflito de modo que elas se tornem suportáveis. De outra forma, a relação tende a desaparecer, para que uma das personalidades não corra o risco de se anular em nome da manutenção de algo que representa uma espécie de “prisão sem muros”.
Dez regras das pessoas que buscam o poder a qualquer preço*:
1- Não ofusque o brilho do chefe
2- Não confie em seus colegas de trabalho
3- Crie sua reputação pela aparência, não pelo conteúdo
4- Faça-se presente para seus superiores
5- Vença pelas actitudes e não discuta
6- Evite relacionar-se com pessoas com menos poder que você
7- Crie dependência das pessoas por você
8- Pense como desejar, mas comporte-se como os outros
9- Mantenha a todos num estado de tensão permanente
10- Não pareça perfeito demais
*Adaptado da obra As 48 leis do poder, de Robert Greene.
OBS: Artigo publicado na coluna Comportamento da revista Figuras & Negócios de Angola, edição de abril de 2008.
3 comentários:
Sou leitor da sua coluna Figuras e Negócios de Angola e aprecio muito o Vosso estilo de escrita. Em Angola o desejo de poder é algo pouco discutido, mas de imensa importancia para as presentes e futuras gerações.
Fernando, uma sugestão: queria ler as suas análises sobre as decisões do programa O Aprendiz, do Justus. Tenho certeza que você faria comentários muito interessantes. Abs,
Fixe!
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