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sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Uma jornalista e a periferia da África


Uma experiente jornalista do Brasil tem feito uma série de reportagens sobre países africanos. Intrigado sobre como se sentem os africanos sobre os trabalhos exibidos em horário nobre no Brasil e reproduzidos na África, resolvi dar uma espiada em como os africanos percebiam as matérias levadas ao ar.

O quadro de sucesso protagonizado pela jornalista, em que as vísceras de uma comunidade ou de um povo são expostas e representadas pela sua cultura, riqueza, cidandania e apego aos sentimentos de solidariedade e valor humano. O quadro levou o nome de "periferia" do Brasil, ou algo assim, auto-referindo-se, como um gesto de valorização da cultura e de enaltecimento da figura do "pobrinho, mas limpinho".

A conclusão que tenho, por enquanto, é que Periferia do Brasil vista por brasileiros é uma coisa e Periferia de países africanos vistos por brasileiros é outra. O apontamento crítico que faço se refere às conseqüências de "inclusão", supostamente objetivadas e o contexto preconceituoso que efetivamente é reforçado pelo quadro.

Concretamente, fez-se uma produção em Angola. Creio que foi inadequada e desfinada a nota musical que inaugurou a série de reportagens feitas no país: numa das primeiras falas, a jornalista afirma que já viu muita coisa, mas aquilo era "sinistro". Analogamente é como se um médico visse o resultado de um exame de um paciente - que esperava boas nótícias - e dissesse "eu já via muita coisa, mas o teu exame tá sinistro".

O que notou-se, da matéria foi a ênfase ao lado da pobreza, da sujeira e da escuridão do país, o que foi interpretado por muita gente deste outro lado do Atlântico como uma atitude de desrespeito pelo povo africano.

A propósito, lembro de um programa brasileiro de entrevistas, música e público jovem que passou num dia desses em que, ao acaso, o apresentador convidou um moçambicano para falar. Ele falou e disse. Teceu uma crítica à jornalista por mostrar somente o lado miserável do país. E ressaltou que Moçambique não era só miséria, que tem muita coisa bonita por lá.

Quando mencionei que esta espécie de abordagem reforça e cristaliza o preconceito, me lembrei de dois autores que sustentariam este posicionamento. Estou me referindo ao Malcolm Gladwell e ao Burdieu. Expor a periferia como forma de inclusão é uma maneira extremamente delicada e complexa de ser colocada em prática.

A sensação que transmite ao telespectador é algo como não, não, não, não, não, não e sim. Este último é a parte boa da matéria, a cultura daquela comunidade ou o suor de cada dia do senhor José das Couves que acorda todo o dia cinco da manhã, com reumatismo, tosse e ataques de caspa para caminhar oito quilômetros até não me lembo onde e não sei porque. Mostrar pobreza é "não", expor dificuldade é "não", contar como a vida ali é dura é "não". O único "sim" muitas vezes é dado à história de luta das pessoas que lá habitam. A quantidade de mensagens negativas na imagem supera, com dois cavalos de vantagem, as mensagens positivas que se diz enfocar. E isso educa, quer tenhamos ou não consciência disso.

Essa é aquela velha e surrada crítica que muita gente faz aos autores de novelas que colocam pessoas lindas, ricas, com estilo de vida interessante, sedutoras e poderosas que cometem pecados capitais como se fossem uma excentricidade. Na mesma trama, há uma pessoa pobre, de bons princípios, honesto e trabalhador. Cheio de "poblemas". Com quais das opções as pessoas preferem se identificar? Será que isso contribui, de alguma maneira, para construir personalidades que hoje nos dizemos "surpresos" de notar na classe política brasileira, por exemplo?

Mostrar pobreza na África é um lugar-comum e de pouca criatividade. Colocar uma lupa na periferia dos países africanos, é uma exposição indelicada, deselegante e pejorativa aos nossos co-irmãos que foram, desde sempre, considerados o lado subdesenvolvido do mundo. Creio que ações que coloquem em evidência estas características reforçam o preconceito. Até nos países da Comunidade Européia têm pobreza e miséria, mas não é essa a imagem que eles têm prazer de transmitir ao mundo.

Por fim, você deve estar cansado de ler e eu de escrever. Portanto, concluo: abordar perifeira de outro país exige um cuidado extra do que abordar a periferia do próprio país. No Brasil, sabemos que além das imagens da periferia, existe muito mais. O país não é só a periferia. Porém, quando se mostra esse tipo de abordagem de Angola, por exemplo, no Brasil será reforçada a imagem de que África é só pobreza e isso é injusto. Lembro que quando houve um episódio do desenho animado Os Simpsons no Brasil, em que o Homer foi sequestrado por um taxista maluco no Rio de Janeiro e havia macacos nas ruas, muitos brasileiros ficaram encolerizados, dizendo que isso ia passar uma imagem muito ruim do Brasil no exterior.

Limão no olho dos outros não arde? Sou adepto do estilo de comunicação criativa, por isso farei uma sugestão: Que tal alguém fazer uma reportagem sobre a pobreza e a miséria na França ou na Inglaterra?

Ah, essa foto acima é de Angola, da marginal, com vista para a baía de Luanda. Pessoalmente não vejo nada de sinistro.

Um comentário:

Anônimo disse...

A comunicação subliminar presente nas reportagens como essa que mencinou ensinam muito mais do que as mensagens conscientemente transmitidas. Esta sua postagem poderia render um interessante artigo científico. Além do M. G;adwell, poderia fazer uma análise com alguns autores da semiótica.

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